JULGAMENTO

TJ aceita recurso do MP e condena Saud e agência por improbidade

Por Julio Codazzi | Taubaté
| Tempo de leitura: 7 min
Divulgação
José Saud foi prefeito de Taubaté de 2021 a 2024
José Saud foi prefeito de Taubaté de 2021 a 2024

O Tribunal de Justiça aceitou recurso do Ministério Público para reformar a decisão de primeira instância e condenou por improbidade administrativa o ex-prefeito de Taubaté José Saud (PP) e a agência de publicidade Aorta Comunicação, que tem sede em São José dos Campos e em 2021 foi contratada sem licitação pela Prefeitura por R$ 1,8 milhão.

Clique aqui para fazer parte da comunidade de OVALE no WhatsApp e receber notícias em primeira mão. E clique aqui para participar também do canal de OVALE no WhatsApp

Iniciado em dezembro do ano passado, o julgamento foi concluído nessa terça-feira (28) pela 1ª Câmara de Direito Público do TJ, que é composta por três desembargadores. A decisão foi unânime.

Saud foi condenado ao pagamento de multa de R$ 372 mil, equivalente a 20 vezes o salário que recebia como prefeito (R$ 18.616,83). Já a Aorta terá que devolver à Prefeitura o valor do contrato (R$ 1,8 milhão) e ainda ficará proibida de firmar novos contratos com órgãos públicos por três anos. Tanto o ex-prefeito quanto a empresa já estavam com os bens bloqueados desde maio de 2023.

Cabe recurso. O ex-prefeito não havia se manifestado até a publicação da reportagem. O espaço segue aberto. Já a Aorta alegou que "foi contratada seguindo os termos legais previstos em processos licitatórios para fins emergenciais durante a pandemia", que "o contrato foi cumprido efetivamente" e que "ainda não foi notificada" sobre a decisão do TJ, mas que "entrará com recurso".

Decisão.

Na decisão, o desembargador Magalhães Coelho, relator do processo na 1ª Câmara de Direito Público do TJ, afirmou que "o argumento de urgência utilizado para justificar a contratação direta carece de amparo fático", pois "em julho de 2021, momento da instauração do processo, a taxa de letalidade [da Covid] havia diminuído para 1,58%, e a vacinação já estava avançada", atingindo 73% da população taubateana. "O cenário era de relativa estabilidade epidemiológica, com ampla cobertura midiática sobre as medidas preventivas, o que afastava a necessidade de contratação emergencial", disse o relator.

O desembargador também apontou uma série de irregularidades no processo de contratação, como falhas no termo de referência e na pesquisa de preços, além de desrespeito aos critérios para definir a empresa vencedora. "A escolha da Aorta Comunicação, em detrimento de outra proposta tecnicamente igualmente classificada (empate), evidencia favorecimento e violação ao princípio da legalidade. Essa irregularidade é agravada pelo fato de que a proposta da empresa contratada carecia de elementos técnicos, como plano de comunicação publicitária e justificativa detalhada do preço ajustado".

A decisão cita ainda que a proposta da Aorta foi apresentada quatro dias antes de ser requisitada oficialmente pela Prefeitura. "A proposta da empresa Aorta Comunicação foi apresentada em 8 de julho de 2021, antes mesmo da requisição formal dos serviços (12 de julho de 2021) e da reserva orçamentária (13 de julho de 2021). Essa inversão de etapas do certame viola disposições legais aplicáveis e evidencia o prévio conhecimento e favorecimento doloso da contratada".

O relator também destacou uma informação revelada por OVALE ao longo do processo judicial: que a Aorta havia prestado serviços ao MDB, que na época era o partido do agora ex-prefeito, e que a empresa tinha ligação com o deputado estadual Dr. Elton (União), que havia apoiado a candidatura de Saud em Taubaté. "Os vínculos políticos entre o prefeito José Antônio Saud Júnior e a empresa Aorta Comunicação estão amplamente documentados. A contratada havia prestado serviços ao partido político do prefeito, e sua proposta foi assinada pela esposa de um deputado estadual que apoiou a candidatura do corréu [Saud]. Tais circunstâncias são indícios de violação ao princípio da impessoalidade", afirmou o desembargador.

A decisão conclui que "a contratação direta, além de infringir normas legais e princípios constitucionais, trouxe prejuízos ao erário, sendo imperativa a responsabilização dos envolvidos e a reparação dos danos causados". "Se o gestor público decide contratar serviço utilizando-se de expedientes irregulares e sorrateiros para atender a interesses particulares, haverá prejuízo não apenas à moralidade pública, ao interesse da coletividade, mas também aos cofres públicos", finaliza o relator.

Publicidade.

Em janeiro de 2021, no primeiro mês do governo Saud, a Prefeitura deu início a um processo administrativo interno para abrir uma licitação para contratar uma agência que ficaria responsável pela publicidade institucional – finalizado em maio, o edital previa gasto de R$ 7 milhões a cada 12 meses; o certame acabou vencido posteriormente pela RP Propaganda, de Mogi das Cruzes (SP), que assinou contrato em novembro de 2021.

Paralelo a isso, em março de 2021, entrou em vigor uma lei federal que autorizava "medidas excepcionais" para a contratação de bens e serviços relacionados ao Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19. Dentre essas medidas estava a possibilidade de dispensa de licitação para a contratação de serviços de comunicação social e publicitária.

Em 12 de julho, já com o processo licitatório da publicidade em andamento, a Prefeitura decidiu, com base na lei federal, dar início a um segundo processo de contratação dos serviços de publicidade – nesse caso, com dispensa de licitação e voltado apenas para campanhas relacionadas à pandemia. Esse segundo processo, que contou com a participação de três empresas, resultou na contratação da Aorta, em 27 de julho, por R$ 1,8 milhão, para um período de seis meses.

Ação.

Na ação, o MP apontou supostas irregularidades na contratação da Aorta. Uma delas era que, embora a Prefeitura tenha tratado a contratação como emergencial, citando “aumento substancial do contágio da população do município pelo coronavírus”, a dispensa de licitação teria ocorrido em período em que o número de casos e de mortes já estava em queda. Outra irregularidade, de acordo com a Promotoria, era que, com base nas duas regras previstas no termo de referência, teria havido empate entre duas agências, mas a Prefeitura teria se baseado em apenas um dos critérios para definir a vitória da Aorta.

O MP também apontou que, ao contrário do que estabelece a legislação para esse tipo de contratação, “não foi composta subcomissão técnica e nem a comissão permanente de licitação se manifestou no feito, de modo que não havia quem avaliasse a viabilidade das propostas”. A Promotoria afirmou que, “mesmo sem possuir competência administrativa, que no caso seria da subcomissão técnica ou da comissão permanente de licitação”, Saud “pessoalmente julgou e definiu a empresa vencedora” da contratação por dispensa de licitação.

O MP citou ainda que a Aorta prestava serviços para o diretório municipal do MDB de São José dos Campos – mesmo partido de Saud à época – e que a empresa foi desclassificada pela Comissão Permanente de Licitações no processo principal, do contrato de R$ 7 milhões, por não atender todas as exigências do edital.

Sentença.

Em julho de 2024, o juiz Pedro Henrique do Nascimento Oliveira, da Vara da Fazenda Pública de Taubaté, havia negado a ação por entender que, "de acordo com o conjunto probatório constante nos autos, não restou demonstrada a prática de fraude" e "não há qualquer evidência nos autos de relação entre os réus que justifique o favorecimento da empresa Aorta".

O magistrado apontou que, "além dos depoimentos constantes nos autos, que comprovam que a contratação da empresa Aorta se deu pelo aumento dos casos no ano de 2021, é notório que no decorrer da pandemia Covid-19 surgiram novas ondas de contágio relacionadas em decorrência da contaminação por novas variantes".

"A vacinação só se deu em janeiro de 2021, período em que a Prefeitura de Taubaté não possuía contrato com empresa de comunicação e se tornou extremamente necessária a comunicação dos municípios relacionada a dinâmica adotada para vacinação da população, específica em cada região, além de coincidir com onda de contágio de nova variante. Além disso, importante consignar que era notória a propagação de desinformação (fake news) pertinente às vacinas, o que colocou em risco a vida de muitos brasileiros, restando necessária a correta informação da população", diz trecho da decisão.

O juiz afirmou também que, "de acordo com os documentos juntados em contestação pela empresa Aorta e pelos depoimentos das testemunhas, o serviço contratado foi prestado de forma satisfatória pela empresa, cabendo ao TCE [Tribunal de Contas do Estado] a fiscalização do cumprimento integral do contrato".

Comentários

Comentários