SAÚDE

Epidemia de dengue segue sem previsão de trégua, avalia governo do Estado

Diretora do Centro de Vigilância Epidemiológica, Tatiana Lang, vê estabilidade frágil de casos; no interior, Campinas e Taubaté são as regiões que mais preocupam

Por Flávio Paradella | 14/04/2024 | Tempo de leitura: 10 min
Editor da rede Sampi

Reprodução

Tatiana D’Agostini, diretora do Centro de Vigilância Epidemiológica do Estado: 100 municípios paulistas decretaram Estado de Emergência por causa da dengue
Tatiana D’Agostini, diretora do Centro de Vigilância Epidemiológica do Estado: 100 municípios paulistas decretaram Estado de Emergência por causa da dengue

Um pequeno inseto causa um enorme impacto na saúde pública. Um velho vilão que teima em assombrar um país que dá mostras se seguir perdido sem saber como enfrentar o mosquito Aedes Aegypti, o transmissor da dengue, doença que bateu recorde histórico de casos com mais de 3 milhões infectados e 1.256 vidas perdidas

O descontrole é generalizado e o maior estado da federação tem os números mais expressivos. Segundo dados divulgados pela Secretaria Estadual da Saúde, São Paulo registrou 250 mortes por dengue e já passou dos 500 mil casos da doença neste ano. É muita coisa.

A crise está longe do fim e nem mesmo o Governo do Estado se arrisca a estipular um prazo. Na semana em que o governo federal classificou São Paulo com tendência de estabilidade nas ocorrências, a rede Sampi conversou com as principais autoridades da área no Estado de São Paulo, que não fazem eco ao relativo otimismo. A definição não ilude as autoridades paulistas, pois a condições climatológicas propícias para a proliferação do inseto ainda estão vigentes: calor e chuva.

Pacientes esperam por atendimento no PS de Franca: letalidade alta preocupa autoridades | WhatsApp/GCN

Tatiana Lang D'Agostini é diretora do Centro de Vigilância Epidemiológica (CVE) do Estado de São Paulo, órgão responsável por planejar, executar e monitorar as ações de prevenção e controle de doenças em todo o território paulista. Tatiana analisa os números e concorda com o Ministério da Saúde de que há uma estabilização neste momento, porém faz questão de reforçar que a guarda não pode baixar. “Nós temos cerca de 100 municípios no estado de São Paulo que também decretaram emergência por conta da epidemia de dengue. E hoje não é possível precisar quando poderemos declarar o fim dessa emergência”, disse a diretora do CVE, em entrevista exclusiva à rede Sampi.

Tatiana ressaltou a influência dos fenômenos climáticos El Niño e La Niña, que mexem com o tempo e temperatura na América do Sul, o que causa uma imprevisibilidade nos padrões meteorológicos. “A situação pode mudar, em especial por causa da oscilação climática. Nós recebemos relatórios da Defesa Civil de como estará isso (clima) em cada região. E como isso interfere muito no ciclo do mosquito, o nosso momento pode mudar a cada instante. Por isso que a gente precisa do apoio de toda a nossa população”, afirmou.

A realidade das cidades segue triste em diferentes regiões do estado. São os municípios que atendem, tratam, mobilizam servidores e promovem ações para tentar prevenir a evolução do inseto e, por consequência, impedir a circulação do vírus, mas em um início de ano com altas temperaturas e tempestades, a proliferação do mosquito foi imensa. A pressão sobre o sistema público de saúde, idem.

Situação muito preocupante em Campinas
A diretora do Centro de Vigilância Epidemiológica elegeu a região de Campinas como uma das mais preocupantes em todo o estado. “A preocupação do governo é com todas as regiões, mas tem algumas áreas, como a Região Metropolitana de Campinas (que são piores)...”, ressaltou Tatiana.

Campinas vive a segunda maior epidemia da história com mais de 49 mil casos e ruma para bater o recorde de 2015, quando 65 mil pessoas foram infectadas pela picada do mosquito. O cenário leva a superlotação de hospitais, com o caos no atendimento dos principais Prontos-Socorros, o que fez a prefeitura passar a ampliar o atendimento aos finais de semanas de Postos de Saúde estratégicos. O objetivo é tirar o paciente dos hospitais para desafogar o atendimento.

Dário Saadi, prefeito de Campinas: pressão no governo federal para conseguir vacinas funcionou | Divulgação/PMC

A cidade decretou emergência e o prefeito Dário Saadi (Republicanos) buscou o Governo Federal para cobrar esforços e traçar medidas mais efetivas. Uma delas foi aceita pela Ministra da Saúde, Nísia Trindade, em encontro com o chefe do executivo campineiro, em Brasília, no mês de março. A responsável pela pasta da Saúde revisou a lista de municípios e incluiu a vacina contra a dengue para a região Metropolitana de Campinas, que havia ficado de fora pelos critérios do Governo Federal da primeira remessa de imunizantes.

“Nós sabemos que a quantidade total de vacinas no Brasil ainda é pequena, mas, independentemente da quantidade, é uma arma na luta contra a dengue”, disse o prefeito.  A metrópole recebeu pouco mais de 18 mil doses, insuficiente para atender as 91 mil pessoas estimadas na faixa etária entre 10 a 14 anos em Campinas, porém o munícipio deu início à campanha e conta com a participação efetiva da população.

A Prefeitura prevê pico de casos da dengue após segunda quinzena de abril. "A projeção indica que (a epidemia) pode passar do pico de 2015, que foi 65 mil casos, e podendo passar de 100 mil casos, num prazo de três a oito semanas. Estamos observando uma curva que vai mostrar nas próximas semanas um atendimento que, sem dúvida, pode impactar não só o setor público, como o setor privado", disse Dário Saadi.

Na Região Metropolitana de Campinas, além de Campinas, Valinhos, Cosmópolis, Nova Odessa, Jaguariúna, Pedreira, Santo Antônio de Posse e Holambra decretaram estado de emergência.

Jundiaí busca apoio da população
O cenário enfrentado pela Região Metropolitana de Jundiaí (RMJ) é semelhante ao de outras partes do estado, com um aumento significativo nos casos de dengue, conforme dados divulgados pelo site oficial da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. Nesta última semana, os números indicavam mais de 5,1 mil casos confirmados da doença e duas mortes em sete cidades da região este ano.

A análise desses dados revela uma preocupante tendência de crescimento, especialmente com avanço da dengue nos últimos três meses. Estão sob investigação mais 4.322 casos suspeitos na RMJ. Os números evidenciam uma situação alarmante, que requer atenção e ação imediata das autoridades de saúde para conter a propagação da dengue na região.

“O cenário é preocupante e estamos atuando a partir de um trabalho multiplataforma e, também, alinhados com as demais cidades da Região Metropolitana de Jundiaí (RMJ) para conter a transmissão da doença e garantir assistência à população. Mas, nenhum trabalho terá efetividade se cada morador não auxiliar, eliminando qualquer recipiente que possa servir de criadouro para o mosquito Aedes Aegypti”, ressalta o prefeito de Jundiaí, Luiz Fernando Machado (PL).

A cidade de Jundiaí também passou a adotar a abertura de postos de saúde aos finais de semana para o atendimento de casos suspeitos. Para atender aos pacientes com sintomas de dengue, a Nova Unidade Básica de Saúde (UBS) Jardim do Lago e a UBS Tamoio ficarão abertas das 8h às 17h, aos sábados.

Os equipamentos atenderão pacientes com sintomas leves e moderados de qualquer região da cidade. “Além de serem de fácil acesso, estão em localidades com aumento de casos”, observa a diretora do Departamento de Atenção Básica à Saúde da Unidade de Gestão de Promoção da Saúde, Ana Paula Rosa.

Vale do Paraíba tem situação crítica

Equipes de saúde atendem paciente em São José dos Campos: situação do Vale do Paraíba ainda é crítica | Divulgação/Adenir Britto/PMSJC

A situação da dengue no Vale do Paraíba é crítica, com um total de 57 mortes neste ano e mais de 74 mil casos da doença já confirmados. Além disso, estão sendo apuradas 128 mortes suspeitas relacionadas à doença, conforme dados divulgados pelo governo estadual.

Nesta semana, a cidade de São José dos Campos ultrapassou a marca dos 25 mil casos confirmados e com noves mortes pela doença. O prefeito Anderson Faria (PSD) avalia que os trabalhos de prevenção ajudam a, pelo menos, não piorar a situação. “Estão em funcionamento dois Centros de Referência da Dengue, exclusivo para pacientes com sintomas, no Hospital Municipal e no Hospital de Clínicas Sul, com fluxos específicos definidos com o objetivo de otimizar o tempo de espera e de tratamento dos pacientes. Apesar da alta demanda, os Centros de Referência da Dengue têm conseguido reduzir esse tempo para cerca de uma hora e meia, entre a triagem, exames, hidratação e atendimento médico”, disse o prefeito.

Anderson Faria lembrou da unidade específica criada para atender os pacientes: “Agora teremos um atendimento específico à dengue no Hospital de Clínicas Sul, com a abertura do ‘dengário’, estrategicamente colocado na zona sul, que tem de 40% a 45% dos casos”.

Sobre o Vale do Paraíba, o Governo do Estado acredita que haverá um recuo de casos nas próximas semanas. Ao analisar os dados, a diretora do Centro de Vigilância Epidemiológica (CVE) do Estado de São Paulo, Tatiana Lang, explica que a região teve uma antecipação do ciclo de infecções e deve atingir o ponto de imunidade coletiva. “Como iniciou antes, nós temos o que chamamos de esgotamento de suscetíveis. Uma relação de quantas pessoas se contaminaram e quantas não se contaminaram. Além disso, temos as ações que estão sendo realizadas pelos municípios, os controles dos criadouros, a nebulização e eliminação do mosquito. Isso também é importante”, ressaltou a diretora do CVE.

No entanto, Taubaté está e vai seguir no radar. A cidade confirmou mais de 4,5 mil casos e já registrou 15 mortes pela doença. Para Tatiana Lang, a município sofre também pelo impacto das mudanças climáticas. “A gente tá vendo toda essa região com essa situação pela divergência de temperaturas, que nós não tínhamos visto em epidemias anteriores. Diferentes de outras áreas que tínhamos conhecimento do comportamento ao longo do ano”, destacou.

Em Franca, letalidade preocupa
Em meio à pressão causada pela dengue, a epidemia em Franca chama a atenção pela letalidade. De acordo com o último levantamento da Prefeitura, a cidade já contabiliza oito óbitos confirmados. São 2,1 mil casos da doença, quase o triplo do que o mesmo período do ano passado, com 798.

“É difícil a gente julgar essa situação porque cada pessoa tem uma resposta diferente ao entrar em contato com o vírus ou uma bactéria. Tem a questão da imunidade individual, de resposta individual, se o paciente é idoso ou tem comorbidades. São cenários diferentes em regiões diferentes, porque as pessoas são diferentes. Todos estão fazendo o manejo clínico adequado e isso é o que evita o óbito”, enfatizou a diretora do CVE, Tatiana Lang.

É claro que Franca enfrenta dificuldades na busca por atendimento médico. O aumento significativo na procura por serviços de saúde, como os prontos-socorros e as Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) do Jardim Anita e do Aeroporto, tem gerado queixas devido à demora no atendimento e às condições das instalações desses locais. O Pronto-socorro municipal ‘Álvaro Azzuz’ também está constantemente superlotado. Nos últimos meses, as unidades de saúde pública de Franca têm registrado um número acima do normal de pessoas apresentando sintomas compatíveis com dengue e resfriado.

A situação que não é exclusiva do sistema público. O Hospital e Maternidade São Joaquim, da Unimed Franca, anunciou a suspensão temporária das cirurgias eletivas por 15 dias, em resposta ao "aumento exponencial no número de casos (de dengue) e agravamento de condições clínicas". A decisão foi comunicada pela diretoria executiva da Unimed Franca aos médicos cooperados na última quarta-feira, 10.

O prefeito de Franca, Alexandre Ferreira (MDB), comentou o desafio de um momento tão delicado. “A população precisa ajudar, precisa olhar no fundo do quintal, precisa receber os agentes e precisa acabar com a água no fundo do quintal. O volume de casos acaba impactando drasticamente nos atendimentos. Isso gera um custo muito grande. O mosquito se cria dentro da casa da pessoa e a própria pessoa, doente, vai ter que ir ao serviço superlotado”, enfatizou o prefeito.

Recado duro
Mensagem dura, mas que, de certa forma, vai ao encontro da fala de Tatiana Lang, diretora do órgão que monitora a complicada situação da epidemia. “Simplesmente algumas pessoas só acabam dando atenção quando elas veem o problema, então esse o momento de conscientizar, informar e orientar de toda a importância, em especial, ao controle dos criadouros para que gente possa eliminar a proliferação do mosquito Aedes Aegypti e, por consequência eliminar a dengue”, pontou a diretora estadual do CVE.

2 COMENTÁRIOS

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  • Thiago Moreira
    14/04/2024
    Aqui em Bauru, é preciso dizer que a população leiga, está relacionando de uma forma muito equivocada, o aparecimento do aedes aegypti aos terrenos baldios com mato alto. A desinformação atrapalha e muito, o trabalho de combate a doença. O mosquito transmissor da Dengue e de outras zoonoses, prefere lugares onde existam água parada, água limpa (sem produtos quimicos), em recipientes escuros e locais sombreados para depositar os seus ovos. Existe ainda o fato de que as lavas do mosquito são muito sensíveis a luz, inclusive a luz solar, e que a fêmea do mosquito precisa de sangue para realizar a maturação dos ovos, por isso que elas nos picam. Quando levamos todos esses fatores em consideração, percebemos que as condições ideais para o desenvolvimento das larvas do aedes são encontradas dentro das residências, e não dentro de terrenos baldios. É claro que terrenos baldios são alvos de deposição irregular de lixo e de materias inservíveis, mas basta passar em volta da maioria dos quarteirões da cidade para concluir que existem muito mais residências do que terrenos baldios neles.
  • ADRIANO A S ANDRADE
    14/04/2024
    Se dependermos do governo do Estado, no caso Tarcísio, estamos fritos, visto que segue a linha do bolsonarismo negando tudo que é correto para o povo.