Sínodo testa legado do papa e pode abrir espaço para mulheres na Igreja Católica
A cúpula do catolicismo se prepara para dias agitados. Começa nesta quarta (4), no Vaticano, a 16ª edição da Assembleia do Sínodo dos Bispos, convocada pelo papa Francisco para debater o futuro da Igreja Católica. Após uma consulta que pretendeu ouvir fiéis do mundo todo, e que durou quase dois anos, esta etapa é a última e mais delicada: caberá à assembleia discutir e sintetizar visões sobre as prioridades indicadas pelos católicos.
Pelas próximas três semanas, 464 participantes, entre bispos, cardeais, religiosos e laicos, vão se debruçar sobre temas como a maior participação das mulheres, inclusive o acesso delas ao diaconato, e como se aproximar de grupos marginalizados, como divorciados em segundo casamento e pessoas LGBTQIA+. Também tratarão da ordenação de homens casados e de prevenção de abusos sexuais e de poder por parte do clero.
Na hierarquia católica, os diáconos ocupam o primeiro degrau. Acima, estão padres e bispos. Embora tenham autorização para pronunciar sermões durante a missa e oficiar batizados, casamentos e funerais, os diáconos, hoje apenas homens, não estão autorizados a celebrar a eucaristia, ouvir a confissão dos fiéis ou realizar a unção dos enfermos (extrema-unção).
Considerado o mais ambicioso processo de escuta da história recente do catolicismo, o Sínodo da Sinodalidade - a palavra vem do grego e remete a "caminhar junto" - tem potencial tanto para levar a uma reforma dentro da Igreja, na visão dos mais progressistas, quanto para resultar em divisões, segundo a ala mais conservadora. Seja qual for o desfecho, o encontro pode significar um dos maiores legados do papado de Francisco, 86.
"Há muita expectativa porque é um grande momento do pontificado dele e da Igreja. E há também bastante tensão, porque existem grupos que se opõem ao sínodo e outros que esperam uma mudança significativa", afirma Christopher Lamb, vaticanista em Roma para o jornal católico inglês The Tablet.
Respostas concretas ou mesmo propostas não são esperadas após o fim desta assembleia, no dia 29. Por duas razões. A primeira porque a fase final do sínodo foi dividida em duas, com uma assembleia conclusiva em outubro de 2024 - a ideia é que após o trabalho das próximas semanas, os participantes tenham tempo para discernir itens que provocaram divergência.
A outra é porque a reunião de bispos não tem função deliberativa, mas sim consultiva. Diretrizes para os católicos, baseadas no conteúdo das assembleias, costumam ser dadas pelo papa meses após o fim dos trabalhos, em um documento chamado de exortação apostólica.
Isso não quer dizer que essa assembleia esteja isenta de faíscas. Nas últimas semanas, católicos ultraconservadores foram incisivos na contrariedade ao processo sinodal de Francisco - e com participação especial de uma instituição brasileira.
Em agosto, dois autores do Instituto Plinio Corrêa de Oliveira, que homenageia o fundador da TFP (Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade), lançaram, em vários países e idiomas, o livro "Caminho Sinodal - Uma Caixa de Pandora", com perguntas e respostas que, segundo eles, "desmascaram" o sínodo.
Mais que o conteúdo, chamou a atenção internacional o texto de introdução, assinado pelo cardeal americano Raymond Burke, que tenta se colocar como sucessor de Bento 16 na liderança do campo conservador. Para Burke, os termos "sinodalidade" e "sinodal" se tornaram "slogans por trás dos quais uma revolução está em ação para mudar radicalmente a autocompreensão da Igreja". O risco, diz, é de uma cisão.
Do outro lado, grupos reformistas e em defesa da igualdade de gênero organizam eventos paralelos nas próximas semanas em Roma, como forma de pressionar. O Spirit Unbounded (espírito ilimitado) realiza um "sínodo laico", focado em direitos humanos, enquanto a Women's Ordination Conference (conferência de ordenação de mulheres) faz atos pela inclusão feminina.
A questão das mulheres promete ser um dos tópicos mais controversos. Segundo a pauta de trabalho, que concentra os temas citados na fase de escuta e serve de base para a reunião, "todas as assembleias continentais" pedem que seja abordada a questão da participação das mulheres em todos os níveis da Igreja, incluindo a tomada de decisões.
Além disso, mostra que "a maior parte" das etapas continentais do sínodo e "numerosas" conferências episcopais pedem que seja considerada a questão do diaconato feminino. O documento lança a pergunta: "Como se pode encarar essa questão?".
O diaconato é o primeiro grau dentro da hierarquia eclesiástica e tem a função de auxiliar o padre e o bispo. Ele exerce papel pastoral e pode batizar, fazer casamento, celebrar liturgias, mas não confessar nem administrar a comunhão.
Segundo Phyllis Zagano, professora de religião da Hofstra University, nos EUA, evidências mostram que o diaconato para as mulheres vigorou em grande parte do Ocidente até o século 12. Depois disso, se tornou um passo para a ordenação de padres, vetando o acesso a elas.
"Está claro que a Igreja universal pede a restauração das mulheres ao diaconado ordenado. Se a Igreja precisa do verdadeiro ministério dos diáconos, então precisa recuperar a tradição das diaconisas", afirma Zagano.
Certo é que, ao menos neste sínodo, as mulheres podem celebrar a conquista de uma participação mais decisiva, algo que foi alvo de protestos no Sínodo da Amazônia, em 2019. Por decisão de Francisco, elas poderão votar para aprovar o relatório final da assembleia, que será entregue ao papa. Dos 464 participantes, 81 são mulheres ?destes, 365 têm direito a voto, sendo 54 mulheres. Será o primeiro sínodo com voto feminino.
Entenda
> O que é um sínodo e para que serve?
O Sínodo dos Bispos é uma reunião episcopal de especialistas que serve de mecanismo de consulta do papa. Os convocados têm a função de debater e de fornecer material para que ele dê diretrizes ao clero, no documento chamado exortação apostólica. As exortações costumam ser publicadas meses depois da assembleia.
> O que este sínodo vai debater?
- a maior participação de mulheres, inclusive na tomada de decisões; a possibilidade de elas serem ordenadas diaconisas, podendo, então, celebrar batizados e casamentos (mas não eucaristia nem confissão)
- ordenação de homens casados como padres
- como se aproximar de grupos marginalizados pela Igreja, como divorciados em segundo casamento e pessoas LGBTQIA+
- abusos sexuais e de poder dentro da instituição
> O que é a Assembleia-Geral?
Após a fase de escuta e síntese, a Assembleia-Geral reúne bispos, cardeais, religiosos de outros graus e leigos de 4 a 29 de outubro, no Vaticano. Eles têm como base de trabalho um resumo dos assuntos levantados pelos fiéis em todo o mundo. Ao fim de três semanas, um relatório deverá ser aprovado. A assembleia continua em outubro de 2024, para a conclusão dos trabalhos
> Quem são os participantes?
São 464 ao todo, sendo 365 com direito a voto no relatório final, incluindo o papa. Há 81 mulheres, das quais 54 podem votar. É o primeiro sínodo com voto feminino.
> O encontro tem poder decisório?
Não. As diretrizes são dadas somente pelo papa.
> O que dizem grupos pró e contra o sínodo?
Alas católicas mais progressistas veem este sínodo como possibilidade de uma reforma da Igreja. Grupos mais conservadores afirmam que o processo de escuta pode mudar tão profundamente a Igreja a ponto de acentuar divisões.