"Azeite de cima, mel do meio e vinho do fundo/ estes não enganam o mundo”
Provérbio português
Apesar do nome, o prato não é tão líquido como o faz supor o substantivo; apresenta uma consistência mais densa, que não chega porém à textura do creme. Fica por aí no meio termo. Mas a cor corresponde ao adjetivo e deriva das folhas de couve que, cortadas finamente, liberam as moléculas que colorem a base de batatas e conferem o sabor que personaliza a iguaria. Lá na “ terrinha” costuma ser servida com broa de milho salgada, mas não tanto, e um fio de azeite como arremate.
Aromática e fácil de preparar, cai como luva nas noites frias do nosso inverno curto. Como ela, vão bem outras, que a tradição impôs e o organismo demanda à medida que o termômetro baixa. Alimentos líquidos, quentes e pastosos, com substâncias nutritivas e energéticas de fácil assimilação, propiciam rápido conforto térmico, sem demasiada exigência ao estômago. A lógica de sua presença na mesa desta estação à qual chegamos é pois elementar.
Prato que manteve intensa e histórica relação com os humanos, é evolução da mais antiga elaboração culinária do mundo. No início era um mingau feito com vegetais que se conseguiam, sendo consumido ao redor do próprio fogo em que era preparado. Remonta portanto às origens do próprio homem. Já era bem parecida com as nossas no episódio bíblico em que um prato de sopa de lentilhas selou o destino de Esaú: para matar a fome, ele vendeu seu direito de progenitura ao irmão Jacó.
Quanto à etimologia da palavra, há dúvidas; mas é bem aceita a argumentação que a faz derivar do termo alemão suppe, evolução de suppen, que significa “sorver’. Daí o inglês sup, o francês soupe, o português sopa. Um patrimônio gastronômico da humanidade, que foi se singularizando de acordo com as culturas.
Pelo mundo vamos encontrando na França a de cebolas (à l’oignon), de frutos do mar (bouillabaisse), de alho-poró (vichysssoise); na Itália o minestrone (legumes, massa, carnes, feijão); na Inglaterra a oxtail (com rabo de boi); na China a “ninhos de andorinha”; no Vietnan a tom kha gai ( leite de coco, frango, pimenta e coentro); no Japão o missoshiro (pasta de soja com tofu, caldo de peixe e cebolinha verde); na Rússia a bortsch (beterraba e creme de leite); na Hungria o gulach (carne de porco, batatas e páprica); na Espanha o gaspacho- que é fria, servida no verão, tendo como ingredientes pepino, tomates, cebolas.
Além do caldo verde, Portugal exibe no seu cardápio a sopa de pedra, que, reza a lenda, nasceu em Almerim, região do Ribatejo. Por ali andava um frade peregrino que carregava consigo uma pedra com a qual dizia ser capaz de preparar uma sopa. Ele colocava a pedra num caldeirão e ia recolhendo aqui e ali o que lhe davam como esmola. No final, cozinhava tudo e retirava a pedra, guardando-a para o adjutório do dia seguinte. Famosa, a sopa de pedra de Almerim leva feijão, embutidos, toucinho, orelha de porco, legumes e tudo-quanto-há . Pedra? Nenhuma. A expressão encontra explicação menos piedosa em antigas aldeias às quais ainda não haviam chegado vasilhas de metal. Usavam-se nas cozinhas precárias gamelas de madeira e odres de couro de animais. Estes utensílios não podiam ir diretamente ao fogo, por razões óbvias. Apenas recebiam os legumes, as carnes, os vegetais, as ervas, os grãos e a água. As pedras, de origem vulcânica, eram colocadas na fogueira até ficarem incandescentes. E aí, transferidas para a água, cozinhavam os ingredientes. Se non è vero, è bene trovato!
Vamos à receita do nosso caldo verde. Descasque as batatas e corte-as em quatro. Pique em cubinhos a cebola. Esmague os dentes de alho. Coloque o azeite em uma panela grande, apropriada para sopas. Junte a cebola, depois o alho, mexa até murchar, sem queimar. Reúna os pedaços de batata, volte a mexer por cinco minutos. Acrescente a água, aumente o fogo, assim que ferver baixe a chama e deixe cozinhar em fogo médio até as batatas ficarem bem macias. Isso levará uns trinta minutos. Afervente por cinco minutos a linguiça, deixe esfriar e corte em rodelas finas. Quando as batatas estiverem quase desmanchando, é hora de optar ou não pelo liquidificador. Você pode bater toda a sopa ou parte dela. De uma forma ou de outra, depois de despejar o líquido quente no copo , dobre um pano de prato e coloque-o antes de tampar. Assim se evita que o vapor queime quem estiver próximo. Eu não costumo usar o liquidificador; apenas esmago os pedaços de batata com garfo de cabo comprido, porque gosto dela assim, mais rústica.
Salgue e apimente com cuidado, lembrando-se de que a sopa ainda vai acolher a linguiça portuguesa (ou o paio), já salgada. Se preferir mais rala, acrescente um pouco de água fervente. Em seguida agregue as rodelas de linguiça (ou de paio) e a couve cortada bem fininha, facilmente encontrada nos varejões. Mexa por um minuto e sirva imediatamente. Regue com um fio de azeite.
porção: 10
dificuldade: fácil
preço: econômico
ingredientes
150 ml de azeite de oliva extra-virgem
1 cebola grande picada
2 dentes de alho picados
5 batatas grandes
1 litro de água
2 colheres (chá) de sal
Pimenta-do-reino a gosto
1 linguiça tipo portuguesa ou paio (300 gramas)
1 maço de couve manteiga
1 - Refogue cebola, dentes de alho, batatas
2 - Cubra com água, aguarde ferver, baixe a chama
3- Quando as batatas estiverem bem cozidas, esmague com garfo
4 - Corte a linguiça escaldada em rodelinhas
5 - Salgue, apimente, junte linguiça e couve.