Macarrão de Comitiva


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Feito com ingredientes fáceis de transportar e imunes à deterioração, este prato pantaneiro faz parte da dieta dos que levam o gado de um lugar a outro, percorrendo longas distâncias no Centro-Oeste
Feito com ingredientes fáceis de transportar e imunes à deterioração, este prato pantaneiro faz parte da dieta dos que levam o gado de um lugar a outro, percorrendo longas distâncias no Centro-Oeste
Quando disse a meu filho Junior, com quem troco receitas, que tinha lido sobre o macarrão de comitiva e tentaria reproduzí-lo, ele fez uma careta de desaprovação. Muito exigente com as massas, que prepara em sua própria casa, e com o inquestionável ponto al dente cuja textura já faz parte dos saberes de meu neto João, ele considerou que seria heresia cozinhar o espaguete do prato pantaneiro da forma indicada, ou seja, integrado aos outros componentes, tudo junto e misturado. “Vai virar uma gororoba”, comentou. Pra dizer a verdade, também considerava meio difícil obter uma massa soltinha sem cozinhá-la da forma tradicional, em abundante água e sal e por tempo estritamente observado. Mas como sou levemente teimosa, e tenho gostado muito de experimentar receitas regionais, me atrevi a perpetrar o tal item que é dos mais comuns da dieta desta região brasileira.
 
Admirava-me a mistura de macarrão com carne seca e colorau. Mas não me surpreendia, pois sei que cozinha é laboratório e os melhores cozinheiros são aqueles que intuitivamente descobrem combinações que dão certo. Se não tem arroz, por que não a massa seca? Faltam tomates para o molho? Que se use o colorau, farto nas terras do Brasil Central e capaz de colorir maravilhosamente pratos tão díspares como o peixe ensopado e a sopa pantaneira. E a carne seca nos moldes como a preparam por ali é iguaria irrecusável. 
 
“Nossa cozinha é uma verdadeira babel gastronômica”, afirma o chef sul-mato-grossense Marcílio Galeano. “Isso acontece devido ao fato de o estado ter uma forte influ ência ind ígena, ser povoado por migrantes de todas as partes do Brasil (mineiros, cuiabanos, gaúchos etc.) e por imigrantes de países vizinhos, Paraguai e Bolívia, que influenciaram muito os nossos hábitos alimentares”, diz ele.Como exemplos ele cita o tereré (bebida gelada de erva mate), o puchero (cozido de carne), a chipa ( prima do pão de queijo), a sopa paraguaia ( que é um bolo salgado) e o locro (cozido de abóbora consumido na região andina). E esclarece: “após o fim da construção da estrada de ferro que liga Corumbá a Santa Cruz de La Sierra, a Bolívia contribuiu com a saltenha e o arroz boliviano para os hábitos alimentares.”
 
Junto com esses pratos, nas áreas próximas ao Pantanal são muito consumidos o caldo de piranha, que tem, mais que sabor, propriedades afrodisíacas e revigorantes e grande  variedade de peixes de rio, como pacu, dourado e pintado geralmente assados na brasa.
 
A cozinha pantaneira também utiliza a bocaiúva, que pode ser usada como farinha, com leite quente ou no preparo de sorvetes; e o pequi, fruto típico do cerrado, ingrediente imprescindível no preparo do famoso arroz com frango e guariroba. 
 
O chef acredita que influências externas acabaram prejudicando a identidade gastronômica local. Tendo essa preocupação em mente, Marcílio se juntou a Gustavo Helney e outros 19 chefs para criar a Associação dos Cozinheiros Profissionais do Pantanal.
 
A instituição também tem outros objetivos, como analisar os principais problemas do segmento, traçar estratégias que os solucionem e ainda formar novos profissionais qualificados para o mercado gastronômico regional.
 
Além de uma ferramenta de união e discussão para os integrantes da associação, o grupo organiza mensalmente jantares, com degustação de cinco pratos, e um bate-papo entre chefs e convidados para compartilhar experiências sobre o cardápio do Pantanal.
 
“O que mais podemos definir como a nossa culinária local seria a Comida de Comitiva, preparada na beira da estrada, nos transportes de gado no período de cheia, quando são servidos pratos como o arroz carreteiro e o macarrão de comitiva”, diz Marcílio.
 
Então vamos ao nosso prato, que não é famoso à toa. Tem história que desvela geografia e economia; combinação interessante de ingredientes onde o inusitado caldo de laranja faz toda a diferença; pode ser aprontado em meia hora,se todos os elementos estiverem à vista; fica muito bonito pela plasticidade de fios e cores; e é muito saboroso.
 
Comece reunindo os ingredientes de que vai precisar: macarrão tipo espaguete; carne seca bem lavada (para retirar o excesso de sal) e picada em pedacinhos irregulares; suco de laranja ( natural, não use o industrializado); azeite; banha, alho picadinho; colorau (para conferir uma cor linda); salsinha e cebolinha para o acabamento. Aqueça o azeite junto com a banha de porco e junte a carne cortada em pedaços pequenos e irregulares. Deixe fritar bem em fogo médio e junte o alho. Corte o macarrão em quatro partes agregue à panela com a carne frita. Mexa com colher de pau e acrescente o colorau. Volte a mexer de vez em quando até o macarrão ficar bem amarronzado derrame o suco de laranja e a água, que deve ficar um centímetro abaixo do espaguete. Sem mexer muito vá cozinhando em fogo baixo até o macarrão se tornar maleável. Quando a água secar e o macarrão estiver cozido, tampe a panela. Abra só no momento de servir e decore com cheiro verde picado. 
 
 
INGREDIENTES
 
  450 gramas de carne de sol
  15 ml de azeite de oliva
  20 gramas de banha de porco
  400 gramas de macarrão tipo espaguete
  30 ml de suco de laranja
  4 dentes de alho
  1 colher (sopa) de colorau
  Água quente o quanto baste
  Cheiro-verde picado a gosto
 
porção: 4 pessoas
dificuldade: fácil
preço: econômico

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