ENTREVISTA

João Correia Filho; Uma vida moldada pela literatura

Por Tisa Moraes | da Redação
| Tempo de leitura: 5 min
Arquivo pessoal
João com algumas obras publicadas por sua editora
João com algumas obras publicadas por sua editora

Quem vê o amor de João Correia Filho, 53 anos, por livros pode custar a acreditar que ele cresceu em uma casa sem um exemplar sequer. Foi só na adolescência, atraído ao acaso para dentro de uma biblioteca em Leme, cidade onde nasceu, que ele mergulhou neste universo, do qual nunca mais se afastou.

Jornalista especializado em jornalismo literário, João é proprietário da editora bauruense Mireveja, que completou cinco anos neste mês e acumula mais de 50 títulos em várias áreas como psicologia, educação e infância, valorizando autores de Bauru, do Brasil e de outros países. O nome da empresa é inspirado na expressão "mire veja", presente no romance "Grande sertão: veredas", de Guimarães Rosa, um dos autores favoritos do jornalista.

Com mais de 25 anos de atuação na área, João desenvolveu reportagens que unem fotografia, literatura, viagens e gastronomia em revistas como National Geographic, Caminhos da Terra e Cult. É ainda autor de livros, entre eles "Lisboa em Pessoa", vencedor do Prêmio Jabuti em 2012.

Casado com a professora de psicologia Flavia Asbahr, com quem teve Flora, 13 anos, e Francisco, 8 anos, ele revela acreditar no poder do livro para recuperar uma sociedade hiperestimulada por telas. "As pessoas estão exaustas, hipermedicalizadas. O livro exige quietude, mexe com o imaginário e nos coloca em outra frequência", pondera. Leia os principais trechos da entrevista.

JC - Quando surgiu o interesse pela literatura?

João - Fui criado por minha mãe, que estudou até a 4.ª série e trabalhava em chão de fábrica de uma indústria têxtil, e por minha avó materna, que era semianalfabeta. Então, em casa nunca teve livro. Mas, com uns 16 anos, voltando de uma baladinha à noite, vi pessoas cantando na biblioteca de Leme. Entrei e era um evento chamado Varal de Poesia, que uma galera de cultura estava fazendo. Havia poesias penduradas em varais, apresentação musical, teatro, e meus olhos brilharam. A participação no grupo e a frequência à biblioteca despertou meu interesse pela leitura.

JC - Foi o que o levou a cursar jornalismo?

João - Sim, porque também gostava de escrever. O Henrique Andrielli, que integrava o Varal de Poesia, estava cursando jornalismo na Unesp de Bauru e decidi prestar o mesmo vestibular. Ingressei no curso em 1990 e, a partir dali, a literatura moldou minha trajetória em todos os sentidos. Meu trabalho de conclusão de curso foi sobre Guimarães Rosa, minhas primeiras matérias como freelancer foram sobre literatura, ela me acompanhou quando me estabeleci como jornalista e me acompanha agora, como editor de livros.

JC - Começou a carreira como freelancer?

João - Primeiro, trabalhei como redator publicitário por dois anos em Campinas, mas não tinha nada a ver comigo e resolvi ficar um ano fotografando a Europa, lavando prato de gringo e tentando aprender alemão, em Colônia. Em 1996, quando voltei, o Diário de Bauru estava reabrindo e convidou meu amigo de faculdade Otavio Valle, hoje editor de fotografia da Folha de S.Paulo, para ser o editor de fotografia. Ele me chamou e fiquei no Diário de Bauru até 1999, quando o jornal fechou. Com a grana que recebi, fiquei três meses em Minas Gerais, terra de Guimarães Rosa. Voltei com um material e fui para São Paulo, onde comecei a vender minhas matérias para revistas.

JC - Quais foram as principais empresas em que trabalhou?

João - Como freelancer, não tinha empresa fixa. Comecei como fotojornalista, mas, como tinha facilidade para escrever porque lia, fiz pós-graduação em jornalismo literário e passei também a escrever matérias. Na maioria das vezes, viajava por conta própria, fazia várias matérias conectando turismo, cultura gastronômica e literatura, e as vendia. Fiz muitas para a Cult, Caminhos da Terra, Brasileiros, National Geographic. Para esta última, por exemplo, fiz uma matéria sobre o trabalho de brasileiros nos Médicos Sem Fronteiras em Moçambique, em 2010, ocasião em que também entrevistei o Mia Couto, que é biólogo e tem uma empresa ligada à ecologia, algo inusitado na época. Também acompanhei o IBGE na medição dos dez maiores picos brasileiros e a matéria do Pico da Neblina, o maior, vendi para a National.

JC - Como foi a transição de carreira para editoria de livros?

João - As revistas começaram a fechar e percebi que não daria mais para trabalhar com aquilo. Parei oficialmente em 2016, 2017, mas, em 2011, já tinha lançado meu primeiro livro como autor, o guia de literatura "Lisboa em Pessoa", da editora Leya, vencedor do Prêmio Jabuti 2012 na categoria turismo. Fiz ainda um guia literário de Paris e um de São Paulo com a Leya e também criei muitos roteiros de turismo literário para o Sesc. Então, percebi que, com o advento da digitalização dos conteúdos, das agências de notícias e de fotografias, estava na hora de mudar. Eu e minha esposa já estávamos morando em Bauru desde 2012, quando ela passou em um concurso para dar aulas na Unesp, já com planos de criarmos nossos filhos no Interior.

JC - Como veio a ideia de fundar uma editora?

João - Ia fazer um guia literário de Buenos Aires pela Leya, já estava com fotos e textos meio prontos, mas, em 2016, duas livrarias quebraram. Com contenção de despesas, a Leya não fez o livro. Foi quando criei a Mireveja, em 2019, e montei uma equipe para lançá-lo. Entendi que habilidades que desenvolvi ao longo da carreira me permitiam fazer bons livros, além de olhar adiante, como foi o caso de "A virada decolonial na arte brasileira", lançado quando quase ninguém falava sobre o assunto. Também entendi que livros voltados a pesquisadores e professores, como "Atividade Consciência Personalidade", tradução que fizemos do livro de Aleksei Leontiev, e o "Que educação infantil queremos?" vendem bem e são essenciais em nosso catálogo. Em dezembro, completamos cinco anos com mais de 50 títulos publicados, crescendo a cada ano e com muitos livros bons para lançarmos em 2025.

O QUE DIZ O JORNALISTA:

'Ingressei no curso de jornalismo em 1990 e, a partir dali, a literatura moldou minha trajetória em todos os sentidos'

'Entendi que habilidades que desenvolvi ao longo da carreira me permitiam fazer bons livros'

'Completamos cinco anos com mais de 50 títulos publicados e com muitos livros bons para lançarmos em 2025'

Em expedição fotográfica organizada por ele, na qual levou dez fotógrafos para o sertão de Guimarães Rosa
Em expedição fotográfica organizada por ele, na qual levou dez fotógrafos para o sertão de Guimarães Rosa
Com a esposa Flavia e os filhos Francisco e Flora
Com a esposa Flavia e os filhos Francisco e Flora
Fazendo reportagem no sertão de Alagoas
Fazendo reportagem no sertão de Alagoas
No lançamento de seu guia literário
No lançamento de seu guia literário "Buenos Aires, Livro Aberto", na livraria Tapera Taperá, em São Paulo, em 2019

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