Com mais de 43 mil seguidores nas redes sociais, a bailarina, coreógrafa, escritora, palestrante e influencer Ângela Cheirosa, 51 anos, denunciou um caso de racismo que sofreu em um hotel de Paraibuna, no último final de semana. O caso repercute na internet e gera comentários indignados com a postura do estabelecimento.
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Autora do livro ‘Aposta nos Básicos’ e professora de dança do ventre, Ângela foi contratada pela Fundação Cultural de Paraibuna para participar da segunda edição do Festival AncestraliDança, realizado de 15 a 17 de novembro, no Teatro Oficina Ana Zito. Ângela ministrou workshop e palestra e fez um show no evento.
Em um longo vídeo publicado nas redes sociais, na véspera do Dia da Consciência Negra, Ângela relatou o racismo que sofreu no Hotel Vila Di Luca, em Paraibuna, no qual ela e outra bailarina foram hospedadas pela Fundação Cultural de Paraibuna para passar o final de semana. De acordo com a reserva, elas entraram no estabelecimento ao meio-dia de sábado (16) e teriam que sair até o meio-dia de segunda (18).
Acontece que no domingo, após atividades no evento, as duas bailarinas foram até o hotel após o almoço e Ângela, que é negra, foi barrada pelo funcionário da recepção, ao contrário da outra bailarina, que recebeu a chave do quarto normalmente.
“Ele me comunicou que eu não tinha mais quarto, que a minha diária tinha vencido ao meio-dia [de domingo] e que ele não ia me dar a chave porque eu não tinha mais quarto”, disse Ângela no vídeo.
Questionamento.
Imediatamente, a artista perguntou ao funcionário do hotel se ele havia ligado para a Fundação Cultural, que era quem havia feito a reserva para “duas bailarinas, dois quartos e com duração de dois dias”. Segundo Ângela, o funcionário disse que não tinha entrado em contato com a Fundação.
“O funcionário se sentiu autorizado, porque existe uma autorização para as pessoas tratarem outras da forma como ele me tratou, e a gente sabe que é o racismo que dá essa autorização”, disse Ângela.
E a discriminação foi ainda mais longe. A bailarina contou que o funcionário disse que como Ângela não tinha feito o check-out (saída do hotel) até o meio-dia de domingo, a mala e os objetos dela que estavam no quarto haviam sido removidos e colocados na dispensa do hotel, parte em sacos de lixo.
“Ele se sentiu autorizado a entrar no meu quarto e revirar e remexer em todas as minhas coisas, a colocar tudo o que ele encontrou e que não coube na mala (e ele mexeu na minha mala) em saquinhos de lixo, e eu sei que eram saquinhos de lixo porque era o mesmo que estava no banheiro. Ele juntou tudo e colocou na dispensa, trancou o quarto e se sentiu autorizado a encerrar a minha estadia no hotel. E ele respondeu tudo com naturalidade”, afirmou Ângela.
Racismo.
A bailarina ligou para os contratantes e os responsáveis foram até o hotel. Foi quando, segundo a artista, também chegou o dono do local. “Quando o dono do estabelecimento chega e percebe o tamanho que aquilo ia se transformar, ele se adianta e diz que não é racista porque tem uma irmã negra”.
“Recebi as minhas coisas em sacos de lixo, desde figurino, maquiagem, objetos pessoais, escova de dente. Tudo o que estava naquele quarto foi violado por uma pessoa que se sentiu autorizada a revirar as minhas coisas, tirar do quarto e encerrar a estadia no hotel sem ao menos me comunicar”, disse Ângela.
Ela relatou que viveu uma “situação desesperadora”, que também impactou a colega bailarina e os contratantes. “Desespero da minha colega de trabalho. Vergonha das pessoas que me contrataram, que me valorizam. Todos incrédulos com a situação”.
E completou: “Ainda tem uma coisa que está aqui: como e quantas vezes já aconteceu por aí e [algumas vítimas] não tiveram coragem de nomear o bicho [racismo]. Uma dor incurável”.
“Sofri uma violência absurda. Fui tratada com diferença da minha colega nas mesmas condições. Até o tom de voz era diferente para tratar comigo. As sutilezas do racismo estão em todo lugar, mas vemos as garras dele. Dessa vez, não passarão”, concluiu a artista.
Outro lado.
O caso repercutiu muito nas redes sociais, com dezenas de mensagens de apoio a Ângela e críticas ao hotel, que foi procurado pela reportagem e ainda não se posicionou sobre o ocorrido com a artista. O espaço segue aberto.
A Fundação Cultural de Paraibuna exaltou a importância de Ângela Cheirosa para o evento e disse que, diante do fato, imediatamente, realizou a transferência das artistas de hotel para preservá-las de qualquer outro constrangimento.
“E procuramos dar todo apoio de acolhimento durante todas as etapas do Festival que aconteceram posteriormente. Ângela Cheirosa se apresentou na Gala de forma maravilhosa como sempre, apesar da dor do ocorrido. Eu próprio levei a artista à pousada que foi acionada após o espetáculo, na manhã seguinte levamos a artista ao aeroporto procurando dar todo acolhimento conforme atuamos na política cultural na cidade de Paraibuna”, disse William Oliveira, presidente da Fundação Cultural de Paraibuna.
“Diante do ocorrido, acionamos imediatamente o Conselho Municipal de Turismo e a Diretoria de Turismo para trazer o debate e a pauta de uma educação antirracista e de discriminação. Inclusive, a Diretora de Turismo é uma pessoa excepcional que atua no campo da resistência ao racismo em nossa sociedade”, completou.
O presidente da Fundação ainda disse que agora é preciso “aprofundar o debate, promover ações de transformação em nossa sociedade”. “Vamos trazer o debate para as nossas comissões e vamos organizar ações que possam produzir a transformação”, afirmou Oliveira.