A Justiça de São Paulo condenou um investigador da Polícia Civil paulista a uma pena de quatro meses de detenção, em regime aberto, sob a acusação de ter auxiliado o chefe do PCC Anselmo Becheli Santa Fausta, o Cara Preta, a emitir uma segunda via do documento de identidade em plena pandemia.
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Fausta é o personagem central na trama que levou à morte do empresário Antônio Vinícius Gritzbach, 38, assassinado no aeroporto internacional de Guarulhos, que delatou ao Ministério Público um suposto esquema de lavagem dinheiro do PCC e, também, esquema de corrupção policial.
Entre os policiais delatados estão equipes de três unidades policiais diferentes: Deic (departamento de combate ao crime organizado), DHPP (homicídios) e 24º DP (Ponte Rasa), na zona leste da capital paulista. O policial condenado Marcelo Ruggieri era investigador chefe do distrito da Ponte Rasa.
Procurado, o advogado do policial, Anderson Minichillo, disse que recorreu da sentença, mesmo considerando que a pena contra o cliente já estava prescrita. "Para que fique bem claro, esse era um documento verdadeiro de Anselmo, não era o documento falso. Era segunda via de documento autêntico e legítimo", afirmou ele (leia mais abaixo).
A sentença foi proferida pelo juiz Fabricio Reali Zia, do Juízado Especial Criminal, no final do mês passado. A pena de detenção foi, contudo, substituída por medida restritiva de direito e pagamento de quatro salários mínimos (R$ 5.648), valor a ser revertido ao Fundo Municipal da Criança e do Adolescente.
Ruggieri foi condenado pelo crime de advocacia administrativa, quando funcionário público utiliza o seu cargo ou influência para favorecer interesses privados.
Segundo as investigações, Fausta tinha dois RGs: um verdadeiro e um falso, com outro nome. A acusação é que Ruggieri ajudou o líder do PCC a renovar seu documento verdadeiro. A apuração policial aponta que o objetivo do criminoso era conseguir viabilizar uma transação financeira.
Conforme documentos aos quais a Folha de S.Paulo teve acesso, Ruggieri esteve na sede do IIRG (Instituto de Identificação Ricardo Gumbleton Daunt), na região central da capital, em 23 de abril de 2021, para solicitar ajuda dos colegas para emissão de documento de identidade para Fausta.
Na ocasião, conforme depoimento da investigadora responsável pelo atendimento, Ruggieri apresentou-se como chefe dos investigadores do 24º DP e relatou que tinha um primo que tinha de renovar urgentemente o RG para realizar uma viagem para um país "do Mercosul".
Na época, conforme explicaria a policial, aquele posto, destinado a atender autoridades, também passou a receber casos urgentes da população, já que outros locais estavam fechados em razão da crise sanitária.
Após a funcionária concordar com o pedido, o suposto primo de Ruggieri foi levado até ela por outro policial do distrito, chamado Rodrigo, e os procedimentos para emissão do documento foram efetivados.
Rodrigo seria identificado posteriormente como Rodrigo Antonio Pescinelli Pires, também investigador do 24º DP à época dos fatos, subordinado de Ruggieri.
Quando Pires estava no balcão com o suposto primo de Ruggieri, o chefe dos investigadores foi para fora da unidade do IIRGD, deixando a dupla sozinha, conforme imagens do local.
Chamada na Corregedoria da Polícia Civil para ajudar no esclarecimento do caso, a investigadora ajudou a identificar a dupla de investigadores.
Em depoimento à Corregedoria, Ruggieri disse que esteve na unidade do IIRGD apenas para agradecer um funcionário pela ajuda em outro caso e que encontrou o colega de distrito na porta unidade por coincidência. Depois disso, foram almoçar.
Também ouvido na investigação, o funcionário (auxiliar de papiloscopia), que Ruggieri teria encontrado, negou tal encontro e disse que nem mesmo conhece o investigador.
Pires não foi condenado porque fez um acordo com a Promotoria.
Ainda conforme documentos do processo, além de levar Fausta para emissão do RG, os próprios investigadores do 24º DP que se encarregaram de ir ao IIRGD para buscar a cédula pronta. Há registro de que eles voltaram nos dias 27, 28 e 29 abril, até o documento ficar disponível.
Ruggieri foi uma vez atrás do documento, e Pires, três vezes, conforme denúncia.
Pires disse no depoimento à Corregedoria que não conhecia Fausta nem imaginava tratar-se de integrante do PCC. Disse que estava em uma mecânica, quando, ao ser questionado, orientou Cara Preta a ir até o IIRGD para tentar tirar segunda via do documento.
Na versão do policial, eles se encontraram no órgão, na tarde do mesmo, casualmente. Pires também alega que se ofereceu a buscar o RG do desconhecido apenas por caridade.
Procurada, a Secretaria da Segurança informou não poder dar informação desse caso por envolver as investigações da morte de Gritzbach.
Fausta acabaria morto em dezembro de 2021. Um dos principais suspeitos do mando da morte era Gritzbach. O empresário teria mandado matar o chefe do PCC para ficar com US$ 100 milhões repassados a ele, e convertidos em criptomoedas.
Em delação premiada, Gritzbach negou envolvimento no assassinato, mas admitiu participar de esquemas de lavagem de dinheiro de criminosos. O empresário também acusa policiais de irregularidades.
A delação é apontada como um estopim para a morte.
O advogado Minichillo, defensor de Ruggieri, nega que ele tenha tentado ajudar o traficante e afirma que seu cliente estava lá por outro motivo, e, por coincidência, encontrou outro colega de distrito.
Prova disso, ainda segundo ele, é que as imagens do local não mostram o investigador ao lado do criminoso do PCC, apenas o outro policial. Ele disse que o cliente é inocente.
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Gerson 2 dias atrásNossa, que policiais bonzinhos dos infernos! A coisa tá bem feia neste país…