OPINIÃ

E eu que achava que seria uma linha reta


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- Eu te dou todo o apoio do mundo.
- Mas eu tô com medo, mãe.
- Eu sei, filha. Vai com medo mesmo.

Assim foi a benção de dona Marisa quando, há 15 anos, eu soube que havia passado em uma faculdade de Jornalismo de São Paulo. Filha única e típica caipira do interior, morando numa região tranquila e arborizada de Bauru, eu fechei minha mala e deixei para trás família, cachorros, conforto e comida pronta para embarcar em uma aventura totalmente solitária na capital. 

Eu, com meus 19 anos, carregava comigo a crença de que, assim que passasse o medo da cidade grande e da vida adulta, caminharia rumo a uma estabilidade marcada por um trabalho com plano de carreira a longo prazo, um relacionamento que evoluísse para um casamento com filhos e uma saúde mental equilibrada. Não imaginava o quanto estava enganada. Ou, pelo menos, o quão equivocada era minha ideia de evolução linear.

Apesar do quadro de depressão que desenvolvi logo no primeiro ano universitário, o que dificultou a administração da nova rotina cheia de responsabilidades ao longo do curso, descobri em mim um espírito aventureiro sedento por mudanças. Começou com o desejo do primeiro estágio, que logo atraiu um segundo e que, pouco tempo depois, migrou para o terceiro. No dia da minha banca de TCC, cheguei a pedir emprego na cara dura para a editora que convidei para compor a comissão de jurados. Consegui. Me formei trabalhando com carteira assinada como repórter, sendo, logo depois, promovida a editora. A primeira demissão veio na sequência, ao que eu, em um misto de prazer e terror pela sensação de queda livre, lá em 2014, me lancei ao Jornal de Jundiaí, à época localizado na Baronesa do Japi. Montada no ônibus a caminho do primeiro dia de trabalho, segurei com força minha bolsa com um terço e a lembrança das palavras da minha mãe: “Vai com medo mesmo”.
Enquanto isso, minha vida afetiva era igualmente carimbada por uma enorme montanha-russa.

Relacionamentos iam e vinham, me deixando, ora machucada, ora vacinada. Em 2015, me despedi do meu pai, que partiu para o plano espiritual aos 61 anos. Isso não vacinou. Machucou. Muito. No mesmo ano, disse adeus aos cachorros com os quais tinha crescido. Doeu de novo. Tomada mais uma vez pelo espírito da reviravolta, estacionei na primeira agência de viagens que encontrei, durante um intervalo para o almoço, e fechei meu primeiro intercâmbio de idioma. Em 2016, com medo mesmo, embarquei sozinha para o Canadá, onde passei frio com casacos brasileiros, aprimorei o inglês e abri janelas para o mundo exterior enquanto o interior operava em caos.

Em 2017, uma nova proposta de trabalho me tirou da cadeira da permanência. Eu tive medo. Mas aceitei. Também tive medo de romper mais um relacionamento. Mas rompi. Iniciei, com muito medo, minha carreira de cantora, amando e odiando os palcos ao mesmo tempo. Mas iniciei. E insisti nela, mesmo sentindo medo toda vez. Outros amores vieram, experiências foram adquiridas e, passado um tempo, as primeiras crises da pré-chegada dos 30 apareceram. O que eu fazia com aquilo que eu sempre acreditei ser uma “linha de chegada” da vida, na qual eu deveria chegar já como chefe, casada e feliz como em um comercial de margarina? Aonde eu ia enterrar aquela ideia que eu mesma criei? “Em lugar nenhum, porque isso não é um fim, é outro começo”, disse minha psicóloga, na época. 

Enquanto ainda processava essas palavras e buscava ressignificar minhas novas raízes em Jundiaí, outra proposta de emprego pipocou. Em Campinas. Nem preciso dizer. Fui com medo mesmo. De máscara, ainda sequelada pela perda de memória causada pela primeira infecção por Covid-19, com menos cabelo que antes, mas fui. E, mantendo a sequência do movimento, não fiquei. Após dois anos, e cicatrizada do fim de um namoro, dei match de novo e fechei as malas de volta para Jundiaí, onde assumi, de volta ao JJ, o cargo de editora de Política e, mais recentemente, de editora-chefe. E é ele que deixo agora, encerrando mais um ciclo e levando na minha bagagem de mão os fechamentos loucos, as jornadas cheias de risada na redação, as tantas entrevistas na bancada do Podcast JJ e as piadas em pleno horário comercial do programa de rádio “Difusora 360”. Com medo mesmo.

Este é um agradecimento por todo esse tempo de troca e também um lembrete: no fundo - ou melhor, no raso mesmo, porque se for muito fundo a gente não vê com clareza - a vida é movimento. Movimento para se dar novas chances, movimento para se reconstruir, movimento para recriar conceitos, movimento para sentir frio na barriga, movimento para não esperar não sentir medo para se arriscar. Com ainda mais cabelos a menos, de tanta química por mudanças de cor e corte, com saúde mental ainda em cura após o incêndio e as perdas que enfrentei há pouco tempo e com boa parte do corpo tatuado, eu parto. Se eu tenho dúvidas? Claro que eu tenho. O tempo todo. Mas eu não vejo as minhas asas se não pular do penhasco. E se quer saber, eu tô pulando com um piercing no nariz que acabei de furar.

Mariana Meira é jornalista, cantora e editora-chefe do Jornal de Jundiaí (mmeira@jj.com.br)

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