OPINIÃO

Amar o semelhante


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Ama o teu próximo como a ti mesmo. O grande preceito cristão, a lei de ouro judaica. Aquilo que foi considerado um absurdo. Analise-se a regra à luz da doutrina da simpatia, naquela análise da ética de Adam Smith a que se dedicou Luigi Bagolini e que foi tema da última reflexão.

Esse comando deriva exclusivamente da possibilidade de uma valoração simpatética. Provém da natureza humana e se traduziria, na verdade, em algo pouco diverso: "Ama a ti mesmo apenas na medida em que amas o teu próximo, ou apenas na medida em que o teu próximo possa te amar".

Se o preceito simpatético não se identifica, precisamente, com o preceito religioso, com ele não contrasta. Ou seja: parecem convergir ambas as leituras. É que, se a natureza humana fosse exclusivamente racional, o homem não poderia se comunicar praticamente com os demais homens. Se, por outro lado, a natureza humana fosse exclusivamente simpatética, o homem estaria constantemente aberto e sentimentalmente transparente a toda possibilidade de comunicação com os outros.

O que aconteceria na sociedade se apenas sentimentos e emoções prevalecessem nas relações de convívio? Exatamente porque se mesclam razão e emoção é que a edificação da vida social, com todos os seus valores e os seus significados, terá de ser o resultado de uma busca permanente, de um autocontrole, de um empenho, de um esforço. Aparentemente hercúleo, como em nossa era. Pois uma tentativa prenhe de dificuldades e de absurdos.

Estamos continuamente considerando nossas próprias ações de um ponto de vista de um espectador imparcial e em duas circunstâncias distintas: quando se julga uma ação passada e quando se julga uma ação futura. Na iminência de agir, os elementos passionais e instintivos impelem à ação. O impulso funciona contrariamente à valoração imparcial.

É praticamente impossível que o agente assuma, em relação ao próprio comportamento, o ponto de vista do espectador imparcial, diante do caráter imediato e incontrolável da paixão.

Só se obtém valoração imparcial quando a ação já foi realizada, momento em que as paixões e os interesses que a determinaram já foram satisfeitos. Essa valoração não serve mais para regular a ação, pois esta já foi consumada. Assim, a valoração de uma ação passada tem mais probabilidade de se imparcial, mas é inútil em relação à ação já consumada.

Como obter o equilíbrio? O remédio está nas regras gerais de conduta, as quais - para quem esteja na iminência de cumprir uma ação - possam proporcionar a representação antecipada de uma valoração imparcial. Essas regras gerais não surgem diretamente em nós da observação do modo pelo qual os outros julgaram suas ações. Ela resulta da nossa valoração simpatética de certas e determinadas classes de ações alheias.

Essa a valia e utilidade dos códigos deontológicos, dos códigos de ética, do conteúdo moral de condutas - a ética é a ciência do comportamento moral do homem em sociedade - para balizar o comportamento das pessoas no meio social.

Quando os humanos, que se dizem racionais, assumem uma atitude de ponderação diante dessas regras gerais de conduta, diz-se que ele tem o sentido do dever. O sentido do dever, assim compreendido, pode funcionar como motivo prevalecente de ação. O desejável é que os homens todos agissem de um modo considerado moral, pelo mero fato de não pretenderem violar as regras gerais de conduta por eles próprios reconhecidas. Como nem sempre isso acontece, há necessidade de sanções. Esse o drama num país em que a ética é a matéria-prima de cuja falta a nação mais se ressente.

José Renato Nalini é reitor, docente de pós-graduação e autor de "Ética Geral e Profissional" e "Ética Ambiental" (jose-nalini@uol.com.br)

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