OPINIÃO

Licínia Nalini Pará

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Perdi, no dia 20 de novembro, mais uma prima: Licínia Nalini Pará. Sua mãe, Ernestina Balsan Nalini, ficou viúva muito jovem, porque seu marido, meu tio Lauro Nalini, foi eletrocutado enquanto trabalhava na Companhia Paulista de Estradas de Ferro. Deixou-a com dois filhos bem pequenos: Edevaldo e Licínia.

Deve ter sido uma luta o sustento dos dois órfãos de pai, em tempos de ausência de seguro de vida e pensão para a família do acidentado do trabalho. Sei que Licínia, muito caprichosa, especializou-se em bordado. Chegou a manter um comércio e uma oficina de aprendizado nessa arte, o "Atelier Licínia". Influenciou muitas jovens, naqueles tempos em que as "prendas domésticas" incluíam a elaboração de verdadeiras peças artísticas. Não só o bordado, como o crochê, o tricô, o frivolité, artes que desapareceram com a perda do encanto de atividades que requeriam paciência infinita e devoção aos trabalhos manuais.

Licínia foi casada com o dentista Gabriel da Madureira Pará, não deixando descendência. Mas cultivou inúmeras amizades. Promovia encontros festivos e uma de suas amigas de verdade era Mariazinha Bee.

Sei que Licínia Rossi, filha da querida e saudosa Maria da Conceição Rossi e do Edmar Correa Dias, tem esse prenome em virtude da admiração que a prendada genitora nutria por sua professora de bordado.

Viver bastante é colecionar perdas. Este ano perdi a última tia: Jacyra Salles Nalini, viúva de meu tio Raul. Já não existe a segunda geração de Catarina Boaroto e Giacintho Nalini, que deixaram grande prole. E, da terceira geração, já se foram meu irmão João René, cuja falta minhas irmãs e eu sentimos tanto e cuja partida abreviou a morte de meu Pai Baptista, os primos Suzana, que era o pára-raios da família, pois Carmelita descalça com o nome Irmã Elisabeth da Santíssima Trindade, e seus irmãos Therezinha, Senibaldo, o "Tite" e Roberto Genaro. Mais recentemente, faleceu meu primo Paulo Roberto de Moraes, filho de Josefina Nalini de Moraes e Paulo Maria de Lourdes Moraes.

Do lado materno, já não tenho tios. Muito jovem morreu meu tio Alcides Barbosa. Em seguida o Pedrinho e, por último, Lucy Barbosa Falha, uma tia tão próxima em idade, que era quase filha de minha mãe e irmã nossa. Felizmente, nenhum dos primos-irmãos faleceu até agora.

Há poucos dias recebi uma dessas mensagens de Tik-Tok, propondo um exercício que impõe nostalgia: você já pensou que, dentro em cem anos, quase nada comparado com a eternidade, nem você, nem os seres que você mais ama, estarão aqui na Terra? Suas coisas, seus bens, suas preciosidades afetivas desaparecerão. Em que mãos estarão dentro em um século?

A família Nalini ainda tem, como descendentes do casal que deixou o Vêneto no final do século XIX, ele de Verona, ela de Vicenza, os netos Lygia Salles Nalini, Suely Genaro Ferrari, Sérgio Genaro, Carlos Alberto e José Augusto de Moraes, Gerson e Jackson Nalini, minhas irmãs Raquel Nalini Martins e Jane Rute Nalini Anderson e eu.

Quem partirá primeiro? Não se sabe. Quando revejo o retrato da família, na pose formal das Bodas de Ouro de meus "nonos", Catharina e Giacintho, em 1947, quando muitos netos ainda não haviam nascido, o número de mortos ultrapassa, em percentual crescente, o resíduo dos vivos.

É uma lição silenciosa: valorizar cada instante, pois este poderá ser o derradeiro. Tudo passa e as pessoas se sucedem, até o final dos tempos.

José Renato Nalini é reitor, docente de pós-graduação e Secretário-Geral da Academia Paulista de Letras (jose-nalini@uol.com.br)

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