OPINIÃO

Ela não morreu

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Infelizmente. Sim, a tuberculose ainda mata pessoas e, no Brasil, surgem duzentos novos casos por dia. Principalmente nas prisões.

Essa doença, quando precocemente, é debelada por antibióticos. Mas ceifou inúmeras vidas. Lembro-me de que meu padrinho de crisma, irmão de meu pai, morreu aos vinte e oito anos, tuberculoso. Meu tio Arthur, o caçula dos catorze filhos de meus avós, ficava num quarto distanciado dos demais, no grande solar da rua Rangel Pestana, que foi demolido para dar espaço a um prédio.

Aquele era tempo de pedir a benção. Eu tentava beijar a mão do meu padrinho e ele não permitia. Consciência de quem não quer transmitir o seu mal para ninguém mais.

Outra tia, religiosa sacramentina, contraiu tuberculose por deficiência nutricional e por permanecer noites inteiras de joelho, em adoração ao Santíssimo Sacramento. Suas contemporâneas falam de sua santidade, mortificada pelo sofrimento. Chamava-se Benevenuta e seu nome de monja era Sóror Maria da Santíssima Providência. É eternizada numa via pública na Colônia, para onde vieram os Nalini quando da grande imigração italiana.

A tuberculose levou Álvares de Azevedo, o poeta que estudou na São Francisco e, embora paulistano, detestava São Paulo e adorava a Corte, o Rio de Janeiro. Mas também foi a causa da morte de John Keats, Robert Louis Stevenson, Emily Brontë, Anton Chekhov, Franz Kafka, D.H. Lawrence e George Orwell. No Brasil, Manuel Bandeira foi tuberculoso e até escreveu "Pneumatórax". E Paulo Setúbal teve de morar um tempo em Campos do Jordão, para cuidar dessa doença.

Lygia Fagundes Telles gostava de dizer que o Brasil tinha uma escola romântica dos que morriam cedo. A tuberculose foi causa da morte de Augusto dos Anjos, mas também de Casimiro de Abreu. Dom Pedro I morreu tuberculoso, assim como Simon Bolívar e o inventor do alfabeto para os deficientes visuais, Louis Braille.

Noel Rosa e Sinhô, dois grandes compositores, foram acometidos de tuberculose, que os levou. O mesmo aconteceu com Frederic Chopin.

Por que tanta gente contraía tuberculose e não conseguia se livrar dela? Há inúmeras causas. Mas predomina uma vida irregular, com muito álcool e falta de sono. A fome é uma companheira assídua da tuberculose. Condições higiênicas distanciadas do que deva ser própria aos humanos também conduz a essa condição de fragilidade, propícia à invasão do Mycobacterium Tuberculosis, o bacilo da tuberculose.

Como tudo permite análise multifacetada, a tuberculose inspirou suas vítimas a uma produção poético-literária-musical de excelente qualidade. Basta lembrar o poema "Mocidade e Morte", de Castro Alves, falecido aos 24 anos: "Eu sei que vou morrer; dentro do meu peito/um mal terrível me devora a vida". Ou então, uma quadra da poesia "Lembranças de morrer", de Álvares de Azevedo, que morreu aos 21: "Descansem o meu leito solitário/Na floresta dos homens esquecida/À sombra de uma cruz e escrevam nela:/Foi poeta, sonhou e amou a vida!".

Casimiro de Abreu, que partiu aos 23, escreveu "No Leito": "Eu sofro, o corpo padece/E minh'alma se estremece/Ouvindo o dobrar de um sino/A febre me queima a fronte/E dos túmulos a aragem/Roça-me a pálida face/Mas no delírio e na febre/Sempre teu rosto contemplo".

Manuel Bandeira teve sorte. Desistiu de ser arquiteto quando se descobriu tuberculoso. Em 1904, aos 18 anos, foi se tratar na Suíça. Ficou em tratamento durante quinze anos e se considerava "o poeta tísico". Seu "Pneumatórax" começa assim: "Febre, hemoptise, dispneia e suores noturnos/A vida inteira que podia ter sido e não foi/Tosse, Tosse, Tosse".

Infelizmente, ela - a tuberculose - ainda não morreu. Cuidado com ela.

José Renato Nalini é diretor-geral de universidade, docente de pós-graduação e Secretário-Geral da Academia Paulista de Letras

(jose-nalini@uol.com.br)

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