Opinião

Rosa

18/05/2023 | Tempo de leitura: 3 min

Rosa era uma mulher silenciosa, totalmente diferente do marido, Zé Motta. O casamento reuniu apenas parentes, no início dos anos 1960, e os dois ocuparam a casa vizinha à minha! Disse que ela era diferente dele, pois era comum ouvi-lo gritando, logo cedo com seus cães de caça - quatro ou cinco - e o cavalo que ficava ali, como "condução" para a chácara e seu trabalho, geralmente em Várzea Paulista. Isto foi lá pelos anos de 1960. E Zé saia cedo, praticamente de madrugada.

Na hora do almoço vinha para casa de kombi, para não cansar o animal. Rosa não saia à rua, se conversava com as vizinhas era pelo muro, às vezes com dona Carlota, de seu lado esquerdo ou dona Angelina, minha mãe, do lado direito, já que não existia telefone. E minha mãe era a mais procurada. Rosa sempre pedia que um dos filhos dela fosse ao armazém do seu Valentim, comprar "alguma coisa". Pó de café, arroz, feijão, ou até o açougue do Iotti, para meio quilo de carne, em bife, para o almoço.

Não sei porque, mas quem estava sempre mais disponível nos horários em que Rosa chamava por minha mãe, era eu. Totalmente sem vontade, lá ia para a compra no armazém ou no açougue. Cheguei a ir numa mercearia, comprar verduras e legumes, principalmente numa época em que eles não existiam no meu quintal, pois se existissem, com certeza, minha mãe daria a ela com a maior alegria.

E veio uma fase mais complicada: a gravidez de Rosa e o nascimento de Rosângela. Se antes eu tinha que fazer a compra no armazém e a passava pelo muro ou chamava Rosa ao portão, agora tinha que entrar, "invadir" a casa para entregar a compra. Às vezes nem via Rosa. Do quarto ela agradecia, perguntava quanto tinha de troco e dizia para eu ficar com um cruzeiro. Não sei avaliar, hoje, quanto vale este dinheiro, mas no final de semana eu conseguia arrecadar, dois, três cruzeiros, e comprava comprava algo para mim, ou na feira ou na saída da escola ou até mesmo sorvete de coco queimado, no bar do japonês, em frente à Sifco.

E estas guloseimas eu as devorava em meu quarto, escondido dos irmãos, com exceção, claro do sorvete que era devorado na rua. Absolutamente coisa de criança... Às vezes Rosa me chamava para o quarto, para ver o bebê, mas eu morria de medo de pegá-lo no colo. Poucas vezes encontrava Zé Motta em casa. O trabalho, com certeza, era muito. O tempo passou, Rosangela cresceu, Rosa tinha problemas cardíacos, como minha mãe. As duas conversavam sobre as dores no peito, os remédios. Rosa morreu cedo. Não sei precisar o ano ou sua idade, mas partiu antes de minha mãe, e era ainda nova. Rosangela já havia crescido, eu já tinha casado e mudado dali, os cães de caça desapareceram, o cavalo também se foi. Zé Motta comprou um caminhão e manteve a Kombi. Passei diante da casa dele há algum tempo, onde minha casa foi substituída por um galpão, de responsabilidade do açougue. O portão da casa de Zé Motta estava aberto, carro saindo da garagem. Talvez o filho ou o genro de Rosangela saindo. Não vi mais ninguém! Mas a saudade de um tempo que não volta mais, me trouxe a lembrança de Rosa: quieta, doce, amiga, que agradecia com um sorriso, pois sua voz, difícil de se ouvir, repetia sempre a mesma palavra "obrigado". Rosa, quieta, doce, amiga, como a flor...

Nelson Manzatto é jornalista (nelson.manzatto@hotmail.com)

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