Opinião

Bandas se unem e coisas boas acontecem

07/03/2023 | Tempo de leitura: 4 min

Eu faço parte de uma banda há mais de dez anos. E em todos eles, eu sempre fico com frio na barriga antes de uma apresentação. Seja um grande show ou um concerto mais intimista, as borboletas no meu estômago se agitam me lembrando o quanto sou um apaixonado pela Genomma, a banda na qual sou vocalista e compositor.

Normalmente eu tenho tempo para lidar com a minha ansiedade pré-palco, mas quando o convite é em cima da hora, eu jogo tudo para o alto e passo a viver o show antes mesmo dele começar. Foi assim quando o Anderson Zanela, baterista da Skayra, mandou uma mensagem de voz pra mim que em resumo dizia: "A gente quer fazer algo pelas vítimas do Litoral Norte e estamos organizando um pequeno festival beneficente com algumas bandas para arrecadar doações, vocês topam?" Eu topei na hora. O resto da banda, topou na sequência. Tivemos um ensaio para nos preparar.

O que ninguém contava era que nesse mesmo domingo, precisamente às 18 horas (meia hora antes do início dos shows), uma tempestade resolveu cair em Jundiaí. E não estou sendo hiperbólico quando digo "tempestade". Caiu granizo do céu! Sem contar as rajadas de vento. Quedas de energia. E, para piorar, um vídeo assustador foi enviado para o grupo dos organizadores do evento: estava chovendo dentro do local do festival. O sentimento de decepção foi instantâneo. Pra mim seria obvio que o evento seria cancelado e, mesmo se não fosse, quem sairia de casa naquele temporal?

Felizmente eu estava errado. Quando cheguei no Villa, a primeira banda, A Oca, estava dominando a situação em cima do palco com os seus três músicos. Nem a queda de energia (mais uma) no meio de uma das músicas dos rapazes, pode afetá-los. O vocalista continuou tocando violão e o público ligou as lanternas dos seus celulares para iluminar o espaço. Eis a segunda surpresa: público. A galera saiu de casa e, mais tarde, iria chegar mais gente. Seriam mais de 150 pessoas no fim das contas.

Depois disso, o power trio da Overdrive Luna, que na ocasião era um power duo, subiu no palco para fazer o impossível: transformar dois violões nos instrumentos mais pesados e barulhentos que eu já vi. Acredite, se eles conseguem arrebentar com dois violões, eles podem fazer qualquer coisa.

Então a primeira banda "plugada" ligou os instrumentos e mostrou uma potência que bandas jovens costumam ter. A Malorian possui a falta de medo e o total desprezo pelo que há de mais assustador quando se sobe em um palco. Eles tocaram com vigor e abriram alas para tudo que viria na sequência.

Eu encontrei o Mateus Flores, vocalista da Jupta, logo no início do rolê. Se você encontrar ele na rua, jamais vai dizer que ele é o maior frontman desta cidade. A Jupta é um soco na vidraça para fazer o ar puro entrar na sala. Eles dominaram a noite e nos deram a enfadonha missão de ser a banda que tocaria depois deles. Não é fácil tocar depois da Jupta, vai por mim.

Quando chegou a nossa vez, fizemos o que sabemos fazer: cantar a nossa música primeiro para nós, depois para o público. Penso que se não estiver fazendo sentido para nós quatro, não estará fazendo sentido para mais ninguém. Eu só sei que logo na primeira música eu entoei um "Aleluia" acompanhado do peso da guitarra do Jeck, do baixo do Thiago e da bateria do Matheus. Na minha cabeça eu estava sendo muito transgressor cantando a palavra aleluia em ritmo de rock, mas na verdade eu só estava emulando o Bono (coisa que faço com irritante frequência). Não é atoa que terminamos nossa apresentação com One, um dos maiores clássicos do U2. Mas em minha defesa, a música fazia sentido pelo contexto do dia e as outras quatro músicas do repertório eram da Genomma.

E pra encerrar, veio a Inluzt. Sensualidade, carisma e peso. Os ingredientes perfeitos para qualquer banda de Hard Rock. Eles tinham de sobra! O público estava nas mãos dos caras e continuaria ali o tempo que eles quisessem. Uma ótima maneira de fechar uma noite de rock.

No final, foram R$ 580, 77 kg de alimentos e dezenas de produtos de limpeza arrecadados que vão direto para as famílias que ainda estão necessitando de ajuda no Litoral Norte de São Paulo após as fortes chuvas que atingiram a região. Além disso, para mim, fica um sentimento: nós provamos que é possível mudar o mundo. Não o mundo todo, claro que não. Mas para algumas famílias, o mundo ficou um pouquinho melhor.

Conhecimento é conquista.

Felipe Schadt é jornalista, professor e cientista da comunicação pela USP (felipeschadt@gmail.com)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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