Algumas coisas entram correndo em minhas emoções e fico com elas até que consiga passar para o papel. Tocam em algo que a memória guardou.
Minha amiga Cláudia Mazia, um dia desses, postou em seu Facebook a Elis Regina cantando e escreveu: "Agora entendo a relação entre o bêbado e a equilibrista". Colocou em seguida um emoji em lágrimas.
Vieram-me primeiro os circos de minha infância, quando morávamos na rua Atílio Vianelo. Íamos com nossos pais. Tinha pipoca doce e maçã do amor. Quando a equilibrista atravessava o fio, meu espetáculo preferido, prendia a respiração, torcendo por ela. Fui em outras apresentações circenses mais tarde, mas o gosto de antigamente não tive mais.
Anos depois, conheci alguns alcoolizados. Seus poros transpiravam álcool. Havia neles uma melancolia dolorosa. Um deles, a quem me afeiçoei, era alto, bravo quando mexiam com ele e, embora possuísse família, morava na rua. Naquela época, além de dar aula, eu era coordenadora do posto cultural do MOBRAL. Trabalhava à noite. A sede ficava ao lado do Grêmio CP. O meu amigo aparecia por lá e me solicitou se poderia ensiná-lo a ler e a escrever. Durante seis meses fiz isso com a maior alegria. Admirava-me sua facilidade em aprender. Passado esse tempo, contou-me que estudara até a oitava série. Pedira-me com o propósito de acreditar que alguém se interessava por ele.
Para mim sempre ficou claro que quem se entrega ao álcool, às drogas ilícitas, possui um buraco por dentro e não consegue preenchê-lo com o essencial, por inúmeros motivos do passado ou do presente.
Da música destaco: "Caía a tarde feito um viaduto/ E um bêbado trajando/ luto me lembrou Carlitos. (...) Mas sei que uma dor assim pungente/ Não há de ser inutilmente/ A esperança/ Dança na corda bamba de sombrinha/ E em cada passo dessa linha/ Pode se machucar/ Azar/ A esperança equilibrista/ Sabe que o show de todo artista/ Tem que continuar".
Comentei, com a Cláudia, que escreveria a respeito e ela me disse: "O bêbado e o equilibrista dá uma boa crônica mesmo, pois a gente bebe para amenizar o medo de enfrentar as coisas e bebemos para o tempo passar rápido, mas tem que ser equilibrista para não cair, nem deixar as coisas todas virem abaixo... Pois o show de todo artista deve continuar, para isso é necessário ser muito equilibrista". Prosseguiu: "Vamos rezando, equilibrando e seguindo os sinais".
E quem não tem os seus momentos de corda bamba do espetáculo sem aplausos, sem estímulo para não cair? A resistência e a harmonia, contudo, vêm da história que a pessoa carrega. A minha relação com alcoolizados e equilibristas é de fora padra dentro. A deles não: é de dentro para fora com feridas abertas.
Estou aprendendo, cada vez mais, com o padre Márcio Felipe, Reitor e Pároco do Santuário Diocesano Santa Rita de Cássia, que somente a fé e a esperança na Cruz de Jesus Cristo impedem tombos que destroem e a sabedoria do Céu é resultado da caridade.
Maria Cristina Castilho de Andrade é professora e cronista (criscast@terra.com.br)
Comentários
1 Comentários
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Marina Gonçalves Neto 02/03/2023Como uma pessoa pode conhecer tanto assim um ser humano só poderia ser essa mulher que eu acho fantástica parabéns Cristina realmente VC conhece o ser humano como poucos porque eu fui dependente de tudo isso parabéns parabéns parabéns