Enquanto escrevo – domingo à tarde – vejo a notícia de que uma criança de um ano e cinco meses de idade acabava de morrer na Terra Indígena Yanomami, em Roraima, vítima de desnutrição grave e desidratação. A informação foi repassada por Júnior Hekurari, presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye'Kuana. De acordo com o relato, a criança estava em estado grave desde sábado, dia quatro, e as equipes de saúde pediram sua remoção imediata para Boa Vista, mas o mau tempo impediu a decolagem. Que doloroso! Mais uma vítima da presença do garimpo ilegal naquelas terras que afetou os indígenas yanomamis, que têm sofrido com casos de desnutrição e doenças como malária e pneumonia.
Escrevo isenta de qualquer conotação político-partidária, mas pelo sofrimento do próximo. A questão do desrespeito indígena vem desde quando os portugueses invadiram o Brasil, mas agora me parece que se fez maior. Dentre tantas outras questões, o uso do mercúrio para separar o ouro da rocha, que afetou gravemente a pesca, fonte principal de subsistência de muitos integrantes dos povos indígenas da Amazônia. Escrevo motivada também pelo sangue indígena – vindo pelo lado materno - que corre nas minhas veias, do povo Karajá das margens do rio Araguaia. Tenho muito orgulho desse sangue!
Li no jornal digital "Diário do Centro do Mundo", em primeiro de fevereiro último, uma matéria do jornalista Andy Robinson, que me chamou a atenção. Sem isentar o governo anterior da crise humanitária nas comunidades indígenas da Amazônia, pela invasão da imensa reserva Yanomami por milhares de garimpeiros ilegais de ouro e diamantes, que provocaram desmatamento, violações e assassinatos, aborda os outros responsáveis pela crise humanitária dos Yanomami. Cita o mercado mundial de ouro e as grandes marcas de luxo, empresas como LVMH o u Rolex que faturam bilhões de dólares com a venda de joias e relógios fabricados com ouro de possível origem ilegal.
Robinson transcreve fala de Larissa Rodrigues, pesquisadora do Instituto Escolhas, de São Paulo: "Mais da metade do ouro exportado do Brasil tem indícios de ilegalidade. A maior parte é refinada na Europa, por isso é muito provável que haja sangue indígena nas joias de luxo ali compradas".
Prosseguindo a matéria, afirma, a partir do livro "Gold laundering, the dirty secrets", de Mark Pieth, da Universidade de Basileia, que a Rolex e a Swatch se recusam veemente a falar sobre as fontes de seu ouro. A Tiffany só fornece dados sobre 16% do ouro que usa.
Com a demanda cada vez maior por ouro e os preços altíssimos, é difícil resistir aos incentivos para cometerem crimes.
Salienta que celebridades anunciam joias de luxo enquanto se declaram defensoras da proteção da Amazônia e de seus habitantes. "Angelina Jolie, Beyoncé e Shakira, por exemplo, todas identificadas com campanhas em defesa dos direitos humanos, já promoveram joias de marca de luxo brasileiro HStern, multinacional joalheira no Rio de Janeiro.
Segundo fontes das Polícia Federal brasileiras citadas em uma investigação da Repórter Brasil, a HStern estaria envolvida no tráfico de ouro extraído ilegalmente do território Yanomami".
Em um mundo de incoerências e compulsão por lucro, escorre o sangue indígena.
Maria Cristina Castilho de Andrade é professora e cronista (criscast@terra.com.br)