Senti demais a morte do Papa emérito Bento XVI e o considerava, de certa maneira, próximo. Agora, não tenho dúvida, se tornou intercessor junto a Deus.
Explico essa "intimidade" sem nos conhecermos pessoalmente. Admirava-o muito antes de ser Papa, por seus textos que sempre me acenaram para buscar Deus em profundidade através da oração. Fui de adolescência e início de juventude formada por nosso santo Dom Gabriel Paulino Bueno Couto, que insistia ser a caridade, o serviço aos mais vulneráveis, a partir de um coração convertido. O Papa Bento XVI sempre me tocou no sentido de melhorar meu coração.
Em 11 de maio de 2007, a convite do inesquecível Dom Joaquim Justino Carreira, na época bispo auxiliar da Arquidiocese de São Paulo, a Rose Ormenesi, a Hanaí Costa e eu tivemos a oportunidade de participar, no aeroporto do "Campo de Marte", da Missa e Canonização do Frei Antonio de Sant'Anna Galvão, e ouvir: "...O Papa vos ama, e vos ama porque Jesus Cristo vos ama". (...) Jesus abre o seu coração e nos revela o fulcro de toda a sua mensagem redentora: 'Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos'. Ele mesmo amou até entregar sua vida por nós sobre a Cruz".
Fez-nos tão bem respirar o mesmo ar que ele, pleno do sopro do Senhor que, após a Missa, a Rose e eu fomos para a Praça da Sé, a fim de vê-lo passar no papamóvel.
No ano retrasado, após os anjos virem buscar nossa mãe, comecei a escrever um diário de luto – ainda pretendo digitar e publicar -, sem desfiar um rosário de lágrimas, mas buscando reflexões sobre o sofrimento, no caso a dor da separação, da ausência física. Em meus guardados, encontrei uma carta de dezembro de 2007 da memorável Madre Mestra, Irmã Maria Inês, do Carmelo São José, que me adotou como filha espiritual desde 1969. Na carta, ela me convidava a ler a Encíclica de Bento XVI: "Spe Salvi facti sumus – É na esperança que fomos salvos".
Ajudou-me tanto! Ele esteve comigo em diversos dias de pesar para me mostrar que: "...O encontro com o Deus vivo é o encontro com a esperança. (...) A fé, pedida no Batismo, nos dá a vida eterna. Fé é substância da esperança. (...) Primeiro e essencial lugar de aprendizagem da esperança é a oração. Quando já ninguém me escuta, Deus ainda me ouve. Quando já não posso falar com ninguém, nem invocar mais ninguém, a Deus sempre posso falar. Se não há mais ninguém que me possa me ajudar – por tratar-se de uma necessidade ou de uma expectativa que supera a capacidade humana de esperar – Ele pode ajudar-me. Se me encontro confinado numa extrema solidão... o orante jamais está totalmente só. (...)
O fato de que o amor possa chegar até ao além, que seja possível um mútuo dar e receber, permanecendo ligados uns aos outros por vínculos do afeto para além das fronteiras da morte, constituiu uma convicção fundamental do cristianismo através de todos os séculos e ainda hoje permanece uma experiência reconfortante. As nossas vidas estão em profunda comunhão entre si, concatenadas uma com a outra..."
Na distância, fez-se presença para ser "sal da terra" e assoprar com sua sabedoria o meu abatimento.
Gratidão! Interceda por nós junto a Deus, a Quem amou tanto, querido Papa Bento XVI e, em especial, quando o sol se põe.
Maria Cristina Castilho de Andrade é professora e cronista (criscast@terra.com.br)