Marcas da infância

17/11/2022 | Tempo de leitura: 3 min

A música penetra na pele de cada um do seu jeito e com as suas lembranças: "Lágrimas perdidas em todas as esquinas... Tem coisas que a gente não queria lembrar..."

Silêncio em memória de alguma dor mal resolvida no passado ou que está acontecendo agora.

É o projeto "Marcas da Infância" com a história teatralizada "Eu Tenho Voz" pela Cia NarrAr de Teatro, acontecido no último sábado no Santuário Diocesano Santa Rita de Cássia, com acolhimento singular pelo Padre Márcio Felipe de Souza Alves, Reitor e Pároco, pelos Diáconos Glicério e Thiago, pelas Catequistas.

O projeto "Marcas da Infância" foi idealizado e é coordenado pela Juíza do Tribunal de Justiça. Dra. Hertha Helena Rollemberg Padilha de Oliveira, que trouxe com ela, no dia, o Desembargador José Carlos Ferreira Alves. O objetivo é prevenção e fortalecimento para denúncia no caso de estar passando por violência. Quais os meios para isso e as pessoas que são confiáveis. Às crianças e adolescentes, após a peça, a Dra. Hertha orientou, dentre outras questões, que a boca também é parte íntima.

A maior parte das apresentações, em Jundiaí, foi financiada pela Companhia Saneamento de Jundiaí – CSJ, através da Lei Rouanet.

Lotado o salão de eventos do Santuário. Os participantes interagiram durante a apresentação e também se fizeram da reflexão.

"Lágrimas perdidas em todas as esquinas... Tem coisas que a gente não queria lembrar."

Os atores tiram, do baú de suas lembranças, histórias que precisam ser manifestadas: a da mãe alcoolizada que espancava a filha; a da irmã a quem o padrasto dizia que faria com o irmão "brincadeira de homem". Através do buraco da porta, ela observa que a brincadeira, com o irmão sem roupas, o fazia chorar. Do pai que desejava "brincar" de tudo com a filha.

Recordei-me do fato da moça assassinada, naquela semana, pelo ex-marido, no Vetor Oeste.  Após trabalhar a noite inteira, em uma empresa da região, levou o filho à creche. Naquele dia foi diferente: o filho, já acostumado com o local, começou a chorar que desejava ir com ela. Acalmou-o. Quase em seguida, deparou-se com o pai da criança, que a agarrou e a encostou à parede. Possuía contra ele duas medidas protetivas. Dois tiros fatais. A creche ligou que o menino voltara a chorar. A polícia atendeu e avisou que a mãe estava morta na calçada. O acontecimento fatídico adentrou, quase de imediato, a Casa da Fonte. Crianças e pais chegaram nos contando assustadíssimos.

O menino, ao crescer mais um pouco, saberá que a violência levou a mãe em cujo colo desejava ficar. O autor foi o pai que, além da fúria sobre a ex-esposa, ignorou as feridas que cavou no coração do pequenino. Abuso sexual também dói demais.

A partir das informações vem a música: "Tudo vai passar, tudo vai passar", mas é preciso ter voz para se libertar da violência.

Conheci o projeto através de meu querido amigo José Renato Nalini em 2016, quando era ele Secretário de Estado da Educação. Apaixonei-me de imediato.

Gratidão imensa ao Padre Márcio Felipe por abrir as portas do Santuário para esse tema, que muitos procuram encobrir.

Como disse Jesus, a respeito daquele que escandalizar um pequenino (Mateus 18, 6), "...melhor fora que lhe atassem ao pescoço a mó de um moinho e o lançassem no fundo do mar".

Maria Cristina Castilho de Andrade é professora e cronista (criscast@terra.com.br)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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