No olhar de Nossa Senhora

A esposa ressentida, mas sem questionamentos e desespero

15/09/2022 | Tempo de leitura: 3 min
Maria Cristina Castilho de Andrade

Caminhei ao lado da moça em direção ao sepultamento de seu marido. Interessante: vi-a apenas uma vez, há uns dois meses, embora já soubesse dela. De imediato me cativou: meiga, da simplicidade, prestativa e determinada.

Manhã dolorosa de domingo. Os pais que devolviam o filho após um período acelerado da doença. As irmãs ali.

Padre Márcio Felipe de Souza Alves, Reitor e Pároco não Santuário Santa Rita de Cássia enviou mensagem ao pai: "Asseguro-lhe minhas orações. Tenha a plena certeza de que seu filho fez a sua Páscoa definitiva. Ele está nos braços de Deus. Esta é a nossa fé, nós acreditamos nisso. Ele que peregrinou neste mundo e, aos olhos do mundo, podemos até pensar e dizer: 'A enfermidade o venceu', mas na realidade o vencedor é ele, porque tendo caminhado na sua peregrinação aqui, pode ganhar o Céu".

A esposa ressentida, mas sem questionamentos e desespero. Na serenidade de quem acompanhou passo a passo a enfermidade de seu querido, além mesmo, algumas vezes, de sua estrutura física. Todos os dias, por inúmeras vezes, reafirmou seu amor por ele. Disse-me que sua dedicação era a resposta do quanto ele a fizera feliz nos cinco anos de convivência.

Surgiu-me, enquanto ela falava desse amor bonito, além dos protocolos da sociedade, uma canção que ouvi diversas vezes em casamento, mais ou menos assim: "Ó dia de sol/ de grande esplendor, / a Igreja e o Cristo/ nosso Pai e Senhor, / alegre cantemos/ um hino ao amor..."

Não fui ao casamento deles, embora convidada pelo pai do moço, amigo muito querido meu e um grande incentivador. Pelo que entendi, eles fizeram desse curto tempo de vivência, por certo com seus percalços, um hino de amor.

Durante o percurso contou-me, já com saudade bonita, que se conheceram fazendo atividade física no Bolão - Ginásio de Esportes Dr. Nicolino de Luca. Depois, foram a vários lugares, dentre eles locais em que se respira espiritualidade como Aparecida, Cachoeira Paulista, na qual fica a sede da Canção Nova.

Como havia uma coroa da Movimento dos Focolares, perguntei-lhe se já participara dele. O Movimento dos Focolares ou Obra de Maria é um movimento católico fundado por Chiara Lubich (1920-2008) em 1943 na cidade de Trento, norte da Itália. Confirmou. Participei também durante alguns anos e me fez bem. Recordei-me de versos de uma música do Movimento: "Tu já despertaste do sono/ E viste que a morte não há/ Que tudo começa na hora/ que dissestes: 'Talita Cumi'. / Não, a morte não existe, / É um sono somente, / Não posso temer, / Tu, num dia de sol, / virá como outrora/ dizer-me pra sempre 'Talita Cumi'." Cântico baseado na ressurreição da filha de Jairo (Marcos 5, 35-43). O Senhor segurou a mão da menina e disse-lhe: "Talita cumi", que quer dizer: "Menina, ordeno-te, levanta-te!"

A moça ainda me falou que, em um dos encontros religiosos em que fora com ela, o dormitório era coletivo. Colocaram-no em uma cama de frente para uma imagem de Nossa Senhora. Ele ficou silente, com o olhar além da estatueta. Olhos nos olhos da Senhora da Ressurreição.

Antes do sepultamento, colocou, em meio às coroas, um buquê.Talvez, no silêncio e na dor de seu coração, pedia que levasse o seu ramo de flores, orvalhado pelas lágrimas, para plantar no jardim do Céu.

Maria Cristina Castilho de Andrade é professora e cronista

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