Em "O nome da rosa", de Umberto Eco, monges medievais discutem num convento se Jesus riu ou não. Proíbem o acesso ao livro em que Aristóteles faz a apologia do riso. O sábio grego teria dito que "o homem é o único animal que ri". O riso faria parte da essência humana e um ser que não risse não poderia ser considerado homem. Jesus é Deus feito homem e, portanto, deveria ter rido, além de outras coisas.
Estudo posterior concluiu que traduziram errado o texto grego. O que Aristóteles disse foi: "nenhum animal ri, exceto o homem". Muda de figura. Trata-se simplesmente de ressaltar uma característica potencial; o riso existe nele - e só nele -, mas pode-se ser homem sem nunca rir.
A Bíblia tinha razão.
Os Evangelhos, os Atos e as Epístolas não fazem nenhuma menção de riso em Cristo. E cá para nós... se Ele fosse igual ao homem em tudo, de maneira definitiva, seria melhor desistir de uma vez de Deus.
Em compensação, os adversários riram de Jesus: "Eles zombam dele, dizendo: Salve o rei dos judeus" (Mateus). Em Lucas o riso é claramente condenado: "Felizes vós que chorais agora: vós rireis... Infelizes vós que ris agora: ficareis em luto e chorareis".
Em toda parte, que se fala explicitamente de riso no Novo Testamento, é para condená-lo como zombaria ímpia, sacrílega. As parábolas de Jesus, no entanto, seriam cheias de ironia em relação às práticas hipócritas dos fariseus, "sepulcros caiados".
O primeiro riso bíblico relatado é uma história licenciosa. Deus diz a Abraão, com cem anos de idade, e a Sara, noventa anos, que eles devem ter um filho. Morrendo de rir, Abraão cai sobre seu assento e Sara, hilária, responde a Deus: "Enrugada como estou, como poderia gozar" (tradução ecumênica da Bíblia). Ela não tinha regras há muito tempo, diz o Gênese: e ele, uma ereção, naquela idade? "Existe coisa impossível para o Senhor?" - esbravejou Jeová.
E em lembrança desse riso, a criança que eles terão receberá o nome de Isaac, isto é, "Deus ri".
Quando mais jovem, visitei dezenas de igrejas na Europa. Em nenhuma delas encontrei sequer um quadro, afresco ou estátua que representasse Jesus rindo. Nem no Louvre, no Museu do Prado ou mesmo do Vaticano. Um dia, depois de centenas de quilômetros rodados com meu saudoso amigo Marco Brizolla, paramos em Amiens, na Picardia. Lá existe a maior catedral gótica da França, também chamada Notre Dame, construída a partir de 1220. A altura das abóbadas chega a 42 metros, exemplo homogêneo e supremo do estilo "gótico radiante".
Na galeria que circunda o altar-mor está a obra provocante do surrealista Clovis Trouille, "Le grand poème d´Amiens". Cristo, coroado de espinhos, o corpo coberto de chagas, sacudido por uma grande gargalhada e olhando a abóbada.
Existem artistas que querem ousar com o sagrado, sob a justificativa da liberdade artística e da criatividade. Lady Gaga já interpretou Maria Madalena no trailer "Judas" imitando Madonna em Like a Prayer. Na cidade de Medina Del Campo, no interior da Espanha onde existe um castelo de sonhos, a comunidade mandou fazer uma imagem de Cristo "nos braços da morte", nu, exibindo os genitais. Os fiéis se cansaram de Jesus emasculado. Quem mostrar que "a Igreja é que está nua" e chegou a hora de levar a própria cruz.
Queiram ou não os céticos, Jesus Cristo é a figura mais decisiva e determinante da história da humanidade.
A festa de Natal, nada tem a ver com a revolução que Jesus operou. Está mais para a infância e família. Tem uma narrativa poderosa e magnética que nos persegue. Canções com melodias simplistas, mas certeiras, souberam se adaptar a motivações religiosas, ao uso do pix ou do cartão de crédito. É uma festa ligada aos nossos usos, necessidades e ritos.
Sei não se Jesus já não riu do Papai Noel.