PRONUNCIAMENTO

Haddad anuncia isenção de IR para quem ganha até R$ 5.000

Por Adriana Fernandes, Catia Seabra, Idiana Tomazelli e Renato Machado | da Folhapress
| Tempo de leitura: 9 min
Reprodução
Fernando Haddad, ministro da Fazenda, fez um pronunciamento em cadeia de rádio e televisão na noite desta quarta-feira (27)
Fernando Haddad, ministro da Fazenda, fez um pronunciamento em cadeia de rádio e televisão na noite desta quarta-feira (27)

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, fez um pronunciamento em cadeia de rádio e televisão na noite desta quarta-feira (27) para explicar o pacote de corte de gastos.

O pronunciamento foi ao ar às 20h30. Haddad também anunciaou a elevação para R$ 5.000 da faixa de isenção da tabela do IRPF (Imposto de Renda da Pessoa Física).

A proposta de aumento da faixa de isenção é defendida por integrantes do governo como contraponto político a medidas do pacote que atingirão benefícios sociais. Interlocutores do presidente apontam a medida como uma maneira de aplacar o impacto negativo do pacote sobre quem recebe o salário mínimo.

Um auxiliar do presidente Lula explicou que serão duas propostas separadas. Uma com medidas para os cortes e conter o avanço das despesas obrigatórias. A outra proposta trata do projeto de reforma do Imposto de Renda, com medidas para aumentar a receita própria do governo para compensar a correção da faixa de isenção e garantir um efeito neutro na arrecadação.

Serão dois instrumentos legais independentes e separados. Segundo o integrante do governo, que participou da reunião de definição do pacote, o projeto de corte de gastos é urgente e viável. Já a segunda etapa pode, inclusive, não avançar no Congresso. Mas a decisão política foi anunciar as duas medidas conjuntamente.

A faixa de isenção hoje é de dois salários mínimos (R$ 2.824). No PLOA (Projeto de Lei Orçamentária) de 2024, não há previsão nem mesmo de reajustar a faixa de isenção com o aumento do salário mínimo já previsto.

Vista como populista pelo mercado financeiro, a correção da tabela é uma promessa de campanha de Lula, que cobra a medida de Haddad desde o início do governo.

O ministro, no entanto, tem preferido nas atuais discussões concentrar as medidas pelo lado da economia das despesas, para garantir a sobrevivência do arcabouço fiscal, desenhado por ele e sua equipe.

Apesar da resistência de Haddad, o governo deve incluir a criação de um imposto mínimo para quem tem grandes rendas no pacote de medidas. A equipe econômica já vinha estudando a possibilidade de instituir uma alíquota mínima entre 12% e 15% da renda para pessoas físicas com ganhos acima de R$ 1 milhão por ano. Como esse grupo costuma ter seus ganhos concentrados em rendimentos isentos, como lucros e dividendos, a alíquota efetiva no topo é bem menor ?às vezes, abaixo de 2%. A cobrança sobre as grandes rendas busca equalizar essa diferença.

Após a Folha de S.Paulo revelar que o governo estudava a criação de imposto mínimo para a taxação de milionários a fim de financiar a correção da tabela, e Lula confirmar essa intenção, a reação do mercado foi negativa, pela perda da arrecadação projetada.

O imposto mínimo seria uma forma alternativa de taxar a distribuição de lucros e dividendos, hoje isenta no Brasil. Outra possibilidade seria taxar diretamente os dividendos.

Em resposta ao nervosismo do mercado, Haddad descartou a taxação de dividendos neste ano e, ao mesmo tempo, reforçou o compromisso com o anúncio do corte de gastos.

Na tarde desta quarta, depois da notícia de que haveria um pronunciamento que poderia anunciar o aumento da faixa de isenção, o dólar disparou e passou de R$ 5,83 a R$ 5,90, fechando a R$ 5,91, maior valor nominal da história.

De acordo com cálculos de Felipe Salto, Josué Pellegrini e Gabriel Garrote, da Warren Investimentos, a medida teria custo de ao menos R$ 45,8 bilhões ao ano.

"Esse cálculo é otimista, vale dizer, pois considera que a tabela do Imposto de Renda seria modificada garantindo-se a focalização do benefício apenas aos contribuintes de renda mais baixa", dizem os analistas em relatório.

Cálculo feito pelo Made-USP (Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da Universidade de São Paulo) com base num modelo já citado por integrantes do governo Lula e que está em estudo na Receita Federal aponta para um custo de R$ 49,6 bilhões.

Já Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central, e Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da ARX Investimentos, estimam R$ 60 bilhões anuais.

O assunto movimenta as conversas no Congresso e alimenta a tensão no mercado financeiro em torno do alcance do pacote para equilibrar as contas públicas. Desde cedo, rumores sobre a possibilidade de correção da faixa de isenção já circulavam no mercado.

O ministro da Fazenda também usou parte de sua fala para explicar as medidas de corte de gastos, que vem sendo discutidas há semanas dentro do governo. O anúncio foi adiado sucessivas vezes, apesar de o chefe da equipe econômica reafirmar que o pacote estava praticamente pronto e que estavam restando poucos detalhes.

Lula e Haddad marcaram uma reunião no Palácio do Planalto, para poucas horas antes do pronunciamento, com o deputado Arthur Lira (PP-AL) e o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG). O chefe da equipe econômica vem reforçando a necessidade de alinhar as iniciativas com o parlamento antes de enviar os textos.

Na sequência, Haddad e o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) vão se encontrar com líderes da Câmara dos Deputados para explicar o pacote. A manhã de quinta-feira (28) será para articular com os líderes do Senado.

 

Leia íntegra do pronunciamento de Haddad sobre aumento de isenção do IR

"Queridos brasileiros, queridas brasileiras, boa noite!

Nos últimos meses, trabalhamos intensamente para elaborar um conjunto de propostas que reafirmam nosso compromisso com um Brasil mais justo e eficiente. Este não é um esforço isolado do governo do presidente Lula, mas uma construção conjunta, que busca garantir avanços econômicos e sociais duradouros.

Hoje, temos sinais claros de que estamos no caminho certo. O Brasil não apenas recuperou o tempo e o espaço perdidos, mas voltou a ocupar seu lugar de destaque no mundo, entre as dez maiores economias. Agora, crescemos de forma consistente, com um PIB superior a 3% ao ano. O desemprego, que castigava nossa gente no período anterior, colocando milhões de famílias abaixo da linha de pobreza, hoje está entre os mais baixos da nossa história.

Mais famílias estão voltando a ter renda e trabalho dignos. Garantimos reajustes reais para o salário mínimo e aumentamos a faixa de isenção do Imposto de Renda para quem ganha até dois salários. Programas como o Minha Casa, Minha Vida e Farmácia Popular ganharam um novo impulso. E novos programas como o Pé-de-Meia, o Desenrola e o Acredita chegaram para combater a evasão escolar, ajudar as pessoas a recuperarem o crédito e apoiar quem quer empreender.

O combate a privilégios e sonegação nos permitiu melhorar as contas públicas. Se no passado recente, a falta de justiça tributária manteve privilégios para os mais ricos, sem avanços na redistribuição de renda, agora arrecadamos de forma mais justa e eficiente. Cumprimos a lei e corrigimos distorções. Foi assim com a tributação de fundos em paraísos fiscais e fundos exclusivos dos super-ricos.

Mas sabemos que persistem grandes desafios. Diante do cenário externo, com conflitos armados e guerras comerciais, precisamos cuidar ainda mais da nossa casa. É por isso que estamos adotando as medidas necessárias para proteger a nossa economia. Com isso, garantiremos estabilidade e eficiência e asseguraremos que os avanços conquistados sejam protegidos e ampliados.

Já devolvemos ao trabalhador e à trabalhadora o ganho real no salário mínimo. Esse direito, esquecido pelo governo anterior, retornou com o presidente Lula. E com as novas regras propostas, o salário mínimo continuará subindo acima da inflação, de forma sustentável e dentro da nova regra fiscal.

Para garantir que as políticas públicas cheguem a quem realmente necessita, vamos aperfeiçoar os mecanismos de controle, que foram desmontados no período anterior. Fraudes e distorções atrasam o atendimento a quem mais precisa. Para as aposentadorias militares, nós vamos promover mais igualdade, com a instituição de uma idade mínima para a reserva e a limitação de transferência de pensões, além de outros ajustes. São mudanças justas e necessárias.

Para atender às famílias que mais precisam, o abono salarial será assegurado a quem ganha até R$ 2.640. Esse valor será corrigido pela inflação nos próximos anos e se tornará permanente quando corresponder a um salário mínimo e meio. As medidas também combatem privilégios incompatíveis com o princípio da igualdade. Vamos corrigir excessos e garantir que todos os agentes públicos estejam sujeitos ao teto constitucional.

Juntos com o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional, aprimoramos as regras do orçamento. O montante global das emendas parlamentares crescerá abaixo do limite das regras fiscais. Além disso, 50% das emendas das comissões do Congresso passarão a ir obrigatoriamente para a saúde pública, reforçando o SUS.

Essas medidas que mencionei vão gerar uma economia de R$ 70 bilhões nos próximos dois anos e consolidam o compromisso deste governo com a sustentabilidade fiscal do país. Para garantir os resultados que esperamos, em caso de déficit primário, ficará proibida a criação, ampliação ou prorrogação de benefícios tributários.

Combater a inflação, reduzir o custo da dívida pública e ter juros mais baixos é parte central de nosso olhar humanista sobre a economia. O Brasil de hoje não é mais o Brasil que fechava os olhos para as desigualdades e para as dificuldades da nossa gente. Quem ganha mais deve contribuir mais, permitindo que possamos investir em áreas que transformam a vida das pessoas.

Reafirmamos, portanto, nosso compromisso com as famílias brasileiras: proteger o emprego, aumentar o poder de compra e assegurar o crescimento sustentável da economia. Exatamente por isso, anunciamos, hoje, também a maior reforma da renda de nossa história. Honrando os compromissos assumidos pelo presidente Lula, com a aprovação da reforma da renda, uma parte importante da classe média, que ganha até R$ 5 mil por mês, não pagará mais Imposto de Renda.

É o Brasil justo, com menos imposto e mais dinheiro no bolso para investir no seu pequeno negócio, impulsionar o comércio no seu bairro e ajudar a sua cidade a crescer. A nova medida não trará impacto fiscal, ou seja, não aumentará os gastos do governo. Porque quem tem renda superior a R$ 50 mil por mês pagará um pouco mais. Tudo sem excessos e respeitando padrões internacionais consagrados.

Você sabe: essa medida, combinada à histórica Reforma Tributária, fará com que grande parte do povo brasileiro não pague nem Imposto de Renda e nem imposto sobre produtos da cesta básica, inclusive a carne. Corrigindo grande parte da inaceitável injustiça tributária, que aprofundava a desigualdade social em nosso país.

Queridos brasileiros e brasileiras, as decisões que tomamos, a partir de hoje, exigem coragem, mas sabemos que são as escolhas certas porque garantirão um Brasil mais forte, mais justo e equilibrado amanhã. Tenham fé de que seguiremos construindo um país onde todos possam prosperar pela força de seu empenho e trabalho. Saibam que o governo do presidente Lula é parceiro de cada família brasileira nessa caminhada. Com um governo eficiente, estamos construindo um Brasil mais forte e mais justo. Muito obrigado e boa noite."

 *Texto atualizado às 20h40

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