REGISTRO

Em um ano, número de pais que não registraram os filhos saltou 10% em Campinas

Por Luis Eduardo de Sousa | Especial para a Sampi Campinas
| Tempo de leitura: 4 min
Marcello Casal Jr/Agência Brasil
Para milhares de crianças em Campinas, nome do pai não consta na Certidão de Nascimento, o primeiro documento da vida
Para milhares de crianças em Campinas, nome do pai não consta na Certidão de Nascimento, o primeiro documento da vida

Dayane da Silva Sobrero, de 33 anos, é uma profissional autônoma que vive de revender cosméticos e fazer pequenos bicos para obter renda. Nordestina que vive em Campinas há cinco anos, Dayane é uma mulher ainda jovem, mas que carrega nas costas sozinha a responsabilidade de criar quatro filhos com idades entre seis e 15 anos. 

Moradora da favela da Gleba, região do Parque Oziel, ela é uma das milhares de mulheres que se viram sozinhas após ficarem gestantes, deram à luz e registraram sem a figura paterna um filho, fenômeno cada vez mais vigente na metrópole nos últimos anos. 

É o que revelam dados do Portal da Transparência do Registro Civil. Ano após o ano, a quantidade de crianças registradas sem o nome do pai tem aumentado nos limites de Campinas. Os números revelam que, entre 1º de janeiro e o fim de agosto desse ano, 480 crianças se enquadraram nesse filtro, em um universo de 11,1 mil nascimentos na cidade durante o período. 

Isso representa um aumento de cerca de 10% em relação aos números similares registrados entre janeiro e agosto do ano passado, período em que 432 crianças foram registradas apenas pela mãe, para quantidade parecida de nascimentos, de cerca de 11,1 mil. 

Esses números de 2023 sozinhos representam 75,65% do registrado no ano passado em 12 meses, quando foram 643 registros com ausência da figura masculina. O número desse ano também é maior que observado de janeiro a agosto de 2021, quando foram 424 registros em um total de 11 mil nascidos. Em todo aquele ano, foram 637. 

Já em 2020 foram 440 registros nos oito primeiros meses e 640 durante todo o ano. Desde 2016, quando o Portal da Transparência passou a contabilizar os dados do tipo, foram 4.848 registros. 

De acordo com dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), metade dos lares brasileiros são chefiados por mulheres. São 38,1 milhões de famílias sob a responsabilidade delas em um universo de 75 milhões de famílias.

Carregar a responsabilidade prover o básico para os filhos sozinha não é tarefa simples, mas Dayane não esperava por isso quando engravidou. Os quatro filhos que possui são de três pais, e nenhum deles tem contato com os as crianças atualmente, menos ainda com a mãe. Dayane conta que se deparar com a solidão já na gravidez foi um choque. 

“Eu e o pai da minha filha tivemos um relacionamento de dois anos e quando eu engravidei ele viajou para trabalhar, no Mato Grosso, e foi perdendo o contato aos poucos. Logo perdi o número de telefone e, daí em diante, fomos só eu e ela. Trabalhei a gravidez inteira para manter as necessidades, tive ela e, ao sair da maternidade, tive que a registrar sozinha. Não tinha outra opção”, conta Dayane, de olhar baixo. 

A mãe conta que nunca recebeu pensão nem teve rede de apoio, o que implicou diversas dificuldades ao longo da vida. “Sempre fomos nós aqui, sozinhos. No começo era difícil, eu não tinha como trabalhar fora, então fui inventando, comecei a costurar, vender cosméticos, fazer de tudo o que pudesse para nos manter”, diz. 

Apenas a filha, de 11 anos, não leva o nome do pai no documento, questão que, segundo a mãe, não influi no comportamento da criança. “Eu não falo sobre o pai e ela não gosta de saber. Diz que se ele não quis a conhecer, ela também não faz questão, e que não tem pai”, relata a mãe.

Diante do problema, que é sentido em outras regiões do Brasil, Defensorias Públicas de todo o país realizaram um mutirão conjunto, onde foram ofertados testes de DNA para reconhecimento de paternidade e inclusão do nome paterno nos documentos. De acordo com a Defensoria Pública de São Paulo, não há dados regionais de quantas pessoas foram beneficiadas pela ação em Campinas 

Uma ausência que não influencia apenas a documentação. Segundo a psicóloga clínica Ana Silvia Rennó, a falta do pai nas fases da infância e adolescência pode culminar em desarranjos emocionais durante a vida adulta, que exigem cuidados clínicos e contribuem para uma deterioração emocional do adulto. Alguns dos sintomas são a ansiedade, insegurança e falta de autoestima. 

“A criança tem dificuldade para entender que ela tem um pai biológico e, mesmo assim, esse pai foi embora. Ela entra em um processo de questionamento acerca disso e acha que é o culpado por esse abandono. Então, começa a questionar se, de fato, é merecedora de ser amada. Até ela entender que a culpa não é dela, isso se repete várias vezes e se apresenta como rejeição e abandono sempre”, explica Rennó.

A especialista adverte que é possível, no entanto, reparar a ausência do pai substituindo-a por uma figura de “apego seguro”, e recomenda que a ausência seja explicada com empatia e respeito pela história da criança. 

“O mais importante é que a mãe possa ter uma rede de apoio e que haja uma figura de apego seguro, que não necessariamente precisa ser um homem. É aquela pessoa que sempre vai estar disponível, para dar carinho, para dar conforto, para estar sempre ali. E a mãe tem que sempre trabalhar com a verdade, por mais dolorosa que seja. Dizer o que aconteceu com o pai biológico, para que a criança vá entendendo a história e lidando de maneira saudável”, concluiu Rennó. 

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