Um trabalho pelo acesso à cultura, literatura e às histórias, que podem mudar a vida das crianças, pequenas e grandes. Evair Sousa, de 31 anos, é contador de histórias, autor do livro Castelo de Sorvetes e fundador do projeto Barranco de Histórias, feito em parceria com o Barranco Cultural. O projeto leva para crianças da periferia de Piracicaba o acesso à literatura, histórias e poesias, com a doação de livros infantis.
Nascido e criado no bairro Novo Horizonte, Evair enfatiza que o acesso à literatura e às histórias mudaram a vida dele e acredita na força que o acesso à cultura tem para transformar as vidas das pessoas. “Hoje eu posso dizer que, realmente, a leitura, a literatura, as histórias, mudaram a minha vida”, conta. Confira a entrevista de Evair Sousa ao Jornal de Piracicaba
Primeiro, gostaria que você contasse um pouco sobre a sua trajetória. Quem é o Evair? Como você entrou no mundo da contação de histórias?
Evair Pereira de Sousa, 31 anos, nasci, cresci no bairro Novo Horizonte, onde morei até meus 29 anos, com meus pais e minha família. Com meus 10 anos de idade, ingressei na Casa do Amor Fraterno, onde a casa pode me expandir para o mundo cultural e para a vida artística. Pude fazer teatro, balé clássico, jazz. Também fiz parte de um grupo de poesia onde nós estudamos e conhecemos poetas, poetisas e escritores. E através deste grupo de poesia, eu conheci o Sarau Literário Piracicabano, que era coordenado pela Ana Marly Oliveira Jacobino, saudosa Ana Marly. Dentro do Sarau literário, conheci a Carmelina de Toledo Piza, contadora de histórias, onde ela, depois de alguns anos, levou um dos seus cursos de contação de histórias para a Casa do Amor Fraterno. E foi aí que eu me encantei pela contação de histórias e comecei, dentro desse curso, levar para os assistidos da Casa do Amor Fraterno a contação de histórias. E após isso, comecei a levar a contação de histórias para alguns aniversários e eventos familiares.
Com o passar do tempo, a contação de histórias deixou de ser um hobby para ser um projeto, um trabalho. E através desse trabalho com a contação de histórias, eu pude ir para outros lugares, pude expandir a minha forma de contar histórias para outros locais, para empresas, outras cidades da região de Piracicaba, e também para poder levar para os meus. Os meus que eu falo são os moradores da região periférica de Piracicaba.
Você é o fundador do projeto Faça um Natal Diferente, Doe um Livro Infantil, que arrecada livros infantis que são doados às crianças de Piracicaba. Como surgiu esse projeto?
Eu comecei a ter um olhar para as periferias como um morador da periferia, porque eu via tudo acontecer fora dela, na área central. E eu comecei, nessa minha vivência de contador de histórias fora da periferia, eu comecei a olhar para ela. ‘Poxa, não chega contação de histórias para as periferias de Piracicaba’. Não chega para a periferia um teatro, uma apresentação teatral. Mas por que? Não tem um espaço legal para acontecer isso, não tem recurso para acontecer isso, e quando essas pessoas chegam até a periferia, é por conta de algum projeto de incentivo à cultura. ProAC, Lei Aldir Blanc, Lei Paulo Gustavo. Quando também os fazedores de cultura, os produtores de cultura olham para a periferia também. Então eu falei ‘não, está na hora de fazer para os meus’. E aí eu comecei a focar todo o meu trabalho para a periferia. Foi aí que eu comecei a pensar nos meus. Eu montei o Barranco de Histórias no Santa Fé, ao lado do Novo Horizonte. Foi aí que eu comecei a pensar nos meus, olhar para os meus e pensar nos meus. Eu gosto de falar dessa forma porque eu sou dali. Hoje eu não moro mais na periferia, mas eu sou da periferia. Eu tenho essa fala comigo. E eu levo para a periferia o meu trabalho. Eu levo para as crianças pequenas e para as crianças grandes.
Aí veio o Barranco de Histórias, junto com o Barranco Cultural, que é organizado, arquitetado e produzido pela Mayra Cristina, que é uma produtora cultural lá do Santa Fé que faz o Barranco Cultural ser vivo ali. E a gente conversando, eu falei ‘Mayra, vamos fazer o barranco de histórias?’. Isso foi em 2016. E começamos o Barranco de Histórias com 15 crianças. Depois foi aumentando, aumentando, aumentando. Costumo dizer que a contação de histórias é como fermento, vai expandindo, crescendo conforme os encontros.
E daí veio a questão do Natal. ‘Vamos fazer uma contação de histórias no dia 26 de dezembro?’. Esse é o dia em que eu estou de folga, que eu não trabalho, é o dia em que eu preciso fazer alguma coisa para os meus. Porque, quando criança, eu via aqueles caminhões baú jogando brinquedos para as crianças, e as crianças correndo atrás deles. Isso acontece ainda na periferia. E eu me lembrei disso. Claro, é um dia da minha folga, um dia que eu não trabalho, mas é um dia em que eu posso fazer algo pelos meus, pelas nossas crianças. E foi aí que eu comecei a fazer a campanha do Faça um Natal Diferente. Primeiro foi o Faça o Natal Diferente, Doe um Livro Infantil, que foi um sucesso. Depois a gente fez o Faça o Natal Diferente, Doe um kit de material escolar, depois eu fiz de novo o Faça Um Natal Diferente, doe um livro infantil. O que tem a ver com o meu trabalho? Eu sou um contador de histórias, eu tenho que incentivar a leitura para as nossas crianças, e é sensacional. Quando eu chego com as caixas, que eu começo a distribuir os livros para as crianças, é automático. Eles abrem o livro e começam a folhear, começam a ler.
Os livros infantis arrecadados na campanha serão entregues às crianças durante o evento Barranco de Histórias, no qual você também participará com a contação de histórias. Gostaria que você contasse, também, como se encontrou nesse mundo da contação de histórias.
Nesse mundo, eu falo que ele que me encontrou, não fui eu quem encontrou ele. Eu sempre fui um aspirante da arte. Sempre gostei de dançar, sempre gostei de dançar, sempre gostei do teatro, sempre gostei de um palco. Até hoje eu danço. Sou um dos integrantes do Baque Caipira, isso já faz quase quatro anos. Tenho um personagem específico no Baque. A arte está dentro de mim desde quando eu nasci. E trazer essa minha forma de contar histórias, que foi a forma que eu me apaixonei por ela e ela se apaixonou por mim, porque ela que me escolheu. Foi aí que eu vi o encantamento.
Foi a história Estrela de Laura que me fez apaixonar pela contação de histórias. O garoto de 17 anos se encantou pela contação de histórias porque ouviu uma história sobre um sonho. Sobre uma garota que tinha um sonho de ter uma estrela só para ela. Foi aí que eu me encantei pela contação de histórias.
Por fim, a literatura e as histórias se mostram muito presentes na sua vida e nas suas ações. Qual a importância delas para você e como você enxerga a importância da literatura e das histórias para a sociedade como um todo?
A importância da literatura e das histórias na minha vida é que elas mudaram a minha vida, elas mudaram a minha história de vida. A literatura, as histórias, tudo o que eu li nesses quase 15 anos de contação de histórias me tornou o Evair que eu sou hoje. Eu comecei lá atrás lendo poesia, escrevendo poesias. Depois eu comecei a ler histórias, contar histórias e escrever histórias. Hoje eu escrevo histórias. Em 2022 eu lancei meu primeiro livro, O Castelo de Sorvetes. Então, as histórias mudaram a minha vida, a minha forma de escrever, a minha forma de falar, a minha forma de me posicionar. E mudaram, também, o meu projeto de vida. Elas mudaram o percurso da minha vida porque, até então, eu era um contador de histórias. Hoje, eu escrevo histórias. Essa é a importância delas na minha vida.
Eu me lembro das falas de uma professora da infância, quase na adolescência, que a leitura muda a nossa vida. Hoje eu posso dizer que, realmente, a leitura, a literatura, as histórias, mudaram a minha vida. E para todas as crianças que eu entrego um livro eu falo: leia, releia, conte essa história para os seus amigos, fale das histórias que você já ouviu. leia, porque a leitura, as histórias mudam as nossas vidas.
Na época em que eu estudava, eu comecei a ter contato com um grupo de poesia na Casa do Amor Fraterno e comecei a levar as poesias que eu já trabalhava dentro do grupo para a sala de aula. E eu ouvi de uma amiga: ‘eu comecei a gostar de poesia porque você me apresentou uma forma de poesia que eu não conhecia”. É isso. É mostrar para o outro que existem outras formas.
As histórias que eu trabalho não são histórias conhecidas, são histórias que eu conto de escritores mais próximos da gente. São escritores que a gente pode encontrar, por exemplo, num passeio no shopping.
Quando eu vou para as escolas e eu falo que eu sou escritor de um livro, que eu tenho um livro lançado, as crianças querem conhecer o livro. É mostrar para as crianças que têm pessoas não tão conhecidas, mas que estão próximas delas que contam histórias, que escrevem poesias, e que estão ali para mostrar um exemplo. Você pode fazer isso que eu estou fazendo hoje, você pode mudar sua rota, seu caminho, sua vida através da cultura, da arte, das histórias”. Assim como eu mudei a minha.