OPINIÃO

Desenredo

Por Roberto Magalhães |
| Tempo de leitura: 2 min
O autor é professor de redação e autor de obras didáticas e ficcionais

Quando as cortinas se abrem, dois atores, em flagrante pânico, se percebem pelados sem saber o que fazer. Nenhum deles tem fala decorada ou roteiro a ser seguido. Num silêncio constrangedor, a plateia aguarda impaciente. Os ingressos caros exigem que se cumpra o legítimo direito do consumidor. Um diz: Acho que vai chover. O outro emenda: Se chover, vai pra China ou pra Cochinchina. Suando frio, um deles procura uma rima e acaba dizendo o que lhe vem à boca: Nada é melhor, nessa nossa porca existência, do que rimar lé com cré, mantendo um sapato em cada pé. O outro começa a cantar um tango argentino, e, depois, dá uma cambalhota. Em atitude filosófica, o outro enfia a cabeça entre as mãos e diz: Ser ou não ser, eis a velha questão! Felizmente, veem, na coxia, o contrarregra. Agradecido com a surpresa salvadora, um diz do fundo da alma: Deus é pai! O outro, nada religioso, berra: Cara, fecha logo essas cortinas, puta que pariu! E quando as cortinas começam a ser fechadas, o público, em pé, aplaude e assovia delirando. Os atores assustados curvadamente agradecem. Não lhes poderia haver melhor reação. Os comentários são os mais efusivos: Que roteiro genial! Quanto questionamento filosófico! Que tapa na cara dessa arte rasa que emporcalha a cultura! Como são geniais esses atores!

Nunca sei se é a vida que imita a arte ou se é a arte que imita a vida, mas sei que o desenredo continua. Um fato sacudiu recentemente o mercado de arte internacional: uma banana de verdade, dessas de comer, foi colada numa tela, com fita crepe, o que foi considerado um rasgo de genialidade e de criatividade do artista italiano Maurizio Cattelan. Depois, em Nova Iorque, a obra foi leiloada por US$ 6,2 milhões. No nosso dinheirinho, R$ 35,7 milhões. Muitos críticos de arte logo se posicionaram em defesa da banana estética. Argumentaram que não se pode criticar o leilão sem entender o contexto. Primeiro, não se vendeu uma banana física, mas um conceito polissêmico que instiga a todos refletirem sobre os limites da criação estética. E que não se perca o detalhe de ser uma corajosa denúncia ao uso impróprio da banana como brinquedinho sexual. Além do que, o gesto artístico põe em xeque essa mania desrespeitosa de dizer que fulano não passa de um banana. Pior ainda, não se percebeu sequer que a banana, ou a sua casca, é uma metáfora perfeita do escorregão, que é quando a bunda vai pro chão. Por último, os críticos esqueceram de lembrar que, com o preço pago à banana, seria possível comprar mais de um milhão de cestas básicas ou construir dois hospitais de médio porte. Mas esse é um assunto periférico e prosaico que nada tem a ver com a nobreza das questões estéticas. E, sem mais, cruzando os braços, deram uma banana a todos que não entendem bulhufas de arte.

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