A cidade é de todos? Ainda não. Democratizar os processos de como fazer o planejamento territorial urbano, com adoção de práticas inclusivas de participação direta, tem sido um grande desafio para a sociedade. A Lei Federal 10257/2001 - Estatuto da Cidade, garantiu o direito social e metodológico de que "a participação cidadã é obrigatória e é a garantidora da legalidade e legitimidade do plano e do projeto urbano em suas diversas escalas"(art.2º, 40, 43, 52).
Essa participação, portanto, deve ser cumprida seja do ponto de vista territorial por unidades de planejamento bem definidas e com características e identidades próprias, "abairramentos", segundo Kevyn Lynch em seu clássico livro "A Imagem da Cidade", e ainda por grupos sociais organizados e empoderados que disputam e podem influenciar a qualificação territorial e ambiental das cidades.
Há avanços nas políticas sociais setoriais e no controle social com a organização de vários desses grupos em torno de Conselhos Municipais, como nos exemplos de políticas sociais para as mulheres, infância e adolescência, idosos, pessoas com deficiência, juventude e outros.
Mas em se tratando das políticas de planejamento urbano territorial, grande parte desses grupos já organizados ou não, ainda se situam como invisíveis no debate sobre a cidade e seu urbanismo. Para se entender melhor a colocação anterior, faz-se aqui algumas perguntas, citando alguns exemplos dessa falha nos processos de participação social de planejamento urbano: Que cidades fizeram consultas públicas, debates técnicos e audiências públicas, como exige o Estatuto da Cidade com seus idosos? Com seus indígenas urbanos e outras etnias? Com professores e as comunidades escolares nos seus bairros? Com seus jovens e crianças? Com as mulheres? Com as populações de favelas? Com seus artistas e esportistas? Com seus moradores de rua? Com seus trabalhadores? Com seus agricultores e pecuaristas, industriais, comerciantes e prestadores de serviços? Com suas populações de áreas centrais? Com proprietários de florestas urbanas, áreas de recargas de aquíferos superficiais e de patrimônio histórico? Com moradores marginais às malhas ferroviárias? Com as diferentes organizações religiosas, entre outros?
Percebe-se que há ainda uma lacuna imensa no processo participativo e democrático para pensar e definir o planejamento urbano. É preciso avançar na democratização da governança, para diminuir o totalitarismo de interesses especulativos privados e do centralismo autoritário da governança pública. Tenho exercitado, a duras penas, ao longo da vida profissional e científica, experiências exitosas nesse sentido de incluir essas populações invisíveis no processo de cidadania, seja em Planos Diretores Participativos Municipais, como nos exemplos de realização de Projetos de Iniciativas Populares em Bauru e Região.
A iniciativa popular é uma forma a ser estimulada para tirar da invisibilidade esses grupos sociais e territórios invisíveis, em suas diferentes concepções, pois rompe com as estruturas formais controladas, centralizadas e autoritárias da governança tradicional, quase sempre incapazes e sem interesses de fazer inclusão e garantia dos direitos urbanos, em sua plenitude.