OPINIÃO

Devagar

Por Archimedes Azevedo Raia Jr. |
| Tempo de leitura: 3 min
O autor é professor titular aposentado do Departamento de Engenharia Civil/Ênfase em Engenharia Urbana da UFSCar e coautor do livro Segurança no Trânsito

Dirigia meu automóvel pela avenida Duque de Caxias quando um ônibus à minha frente parou no ponto; frenei em seguida. O motorista do veículo que trafegava atrás seguia veloz e mexia no seu celular naquele momento. Quando ele percebeu o fato, acionou o freio com energia. O veículo derrapou, fez aquela "cantada" nos pneus, chamando a atenção dos demais condutores e pedestres que por ali transitavam.

Por pouco não ocorreu um engavetamento. Aliás, fato este por demais corriqueiro no trânsito. No entanto, fez-me refletir: por que as pessoas trafegam tão apressadas e distraídas? Por que não podem aguardar um pouco até ter um lugar apropriado para falar ao celular? Por que se arriscam tanto? Por que os motociclistas "voam" por entre as filas de carros? São buzinadas, xingamentos, palavras e gestos obscenos...

O "Manifesto Futurista", de 1909, defendia que a magnificência do mundo foi enriquecida por uma nova beleza, a velocidade. A velocidade nos tempos atuais está associada com aceleração da era tecnológica, onde tudo acontece cada vez mais rápido. A vida hodierna é caracterizada por transformações sucessivas, resultados mais prementes, informações em abundância, estímulo à criatividade, praticidade etc.

Afirma Vera Araújo, socióloga brasileira professora da Sophia University, em seu ensaio "Patologias e aceleração na modernidade" (revista Cidade Nova, out. 2024), que "vivemos acelerados, sempre perseguindo o momento que foge, impedidos de parar, de sustar no momento presente para curtir a vida." Araújo vai além: "essa sensação não é indiferente ao nosso bom viver, porque provoca patologias individuais e sociais, transformando a psique pessoal e coletiva e, portanto, colocando a sociedade em um estado doentio. M. Gandhi, em sua lucidez, já afirmava que a vida não se limita a andar cada vez mais rápido.

Blaise Pascal, filósofo e matemático francês, constatava categoricamente, ainda no século XVII, que as pessoas não permanecem nunca no momento presente. Querem antecipar o futuro por demais lento a chegar, quase que para apressar o seu curso; ou mesmo recordam o passado para detê-lo como demasiadamente fugaz.

Araújo é categórica ao afirmar que "vive-se no medo paranoico de estar atrasado, de não conseguir mais dar conta, de perder o que já foi conquistado, de ficar para trás, de não estar conectado com os eventos que acontecem no mundo inteiro". Para ela, no entanto, a sabedoria do homem achou a solução: é preciso viver o momento presente para viver bem e chegar à felicidade. O momento presente é o que se tem em mãos. O passado já se foi e não pode ser modificado e o futuro, não se sabe se chegará para cada pessoa.

O trânsito brasileiro, em 2022, ceifou a vida de mais de 33 mil pessoas, as quais não mais poderão gozar o seu futuro, nem o presente. Só restou o passado na memória das famílias. Vários destes acidentados foram vítimas da pressa, da distração - precisa-se realizar mais de uma ação ao mesmo tempo - associadas à imprudência e a vontade de chegar mais rápido, ainda que se coloque a própria vida e a de outras pessoas em risco.

Araújo conclui que "nesse nosso tempo acelerado e confuso, a sabedoria de estar no momento presente pode reconduzir a nossa existência a uma maior normalidade que nos permita alçar o voo para aquelas conquistas que realmente contam." Assim agindo ver-se-á o número de vítimas no trânsito - lesionadas e/ou mortas - reduzirem-se significativamente. E o mundo será mais feliz.

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