OPINIÃO

Esquerda e direita sem donos no Brasil

Por Dirceu Cardoso Gonçalves |
| Tempo de leitura: 4 min
O autor é tenente, dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo) tenentedirceu@terra.com.br

Terminada a eleição municipal - os dois turnos - fica claro que o panorama político nacional já vive um tempo de mudanças. Cai por terra a crença de que lideranças nacionais, estaduais ou até regionais são capazes de eleger - prefeito, vice e vereador - no município para convertê-los em cabos eleitorais de luxo nas próximas eleições gerais. Os resultados que hoje conhecemos mostram que a vontade do eleitorado da própria cidade e de suas verdadeiras lideranças ainda é o que prevalece. Tanto que Lula e Bolsonaro, incontestes líderes nacionais, não tiveram o protagonismo que muitos previam; pelo contrário, acabaram com participação discreta - mesmo onde se esforçaram - e em muitas praças, seus candidatos perderam.

São Paulo capital revela, ainda, outra faceta do novo tempo. A candidatura de Pablo Marçal teve o condão de contestar a liderança absoluta de Bolsonaro à direita e a de Guilherme Boulos fez o mesmo em relação a Lula à esquerda. Ao sagrar-se concorrente da esquerda na maior cidade do País através do pouco representativo PSOL, o candidato tornou explicita a falta de força do PT - partido do presidente da Republica - para impor sua candidatura como outrora e concordar com a vaga de vice. Tivesse Lula insistido e lançado candidato petista e Boulos permanecido, a esquerda não teria chegado ao segundo turno, chegado ao fim de sua jornada no dia 6.

Sem dúvida, Marçal e Boulos provaram que, no Brasil de hoje, tanto direita quanto esquerda não têm donos e isso será um, bem porque acabará com o caciquismo, levando partidos e respectivas lideranças a discutir e montar democraticamente seus programas de atuação. Ambos terão participação nas próximas eleições se não tiverem algo que os impeça. Assim como outras lideranças já são identificadas como as do governador Tarcísio de Freitas (SP), Ratinho Jr (PR), Ronaldo Caiado (GO), Zema (MG), e outros que poderão decolar tanto para a presidência da República quanto para os governos estaduais e o Senado. É o processo de oxigenação e surgimento de lideranças políticas até agora inibidas pela polarização e aparente supremacia das correntes já colocadas à esquerda, direita e mesmo ao centro.

Circulam a essa altura dos acontecimentos análises para todos os gostos. A principal delas é que a esquerda perdeu parte de sua força e a direita, embora tenha crescido, não atingiu o nível que esperava. Restará o espaço de centro que doravante deverá ser forte no tom no andamento político. Os partidos e federações deverão ter muito trabalho para manter o capital político e, se possível, surfar com as lideranças que deverão emergir. Os que perderem tempo à espera de acordos, poderão não encontrar espaço como tiveram na hoje moribunda polarização esquerda-direita. Os congressistas, embora não tenham pessoalmente concorrido ao pleito de 2024, devem se manter atentos para evitar dificuldades que os possam prejudicar em 2026, quando terão de correr atrás dos votos para a própria reeleição.

O número de prefeitos eleitos por partido é também um indicador de mudança. Segundo levantamento, o PSD, do ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab (que também pode emergir como liderança eleitoral), emplacou 891 governantes municipais Brasil afora. O MDB ficou com 864, o PP fez 752, o União Brasil 591, o PL (de Bolsonaro) 517, Republicanos 439, PSB 312, PSDB 276, PT (de Lula) 252, PDT 151, Avante 136, Podemos 129 e os demais, menos de 100. O mapa mostra que tanto Lula quanto Bolsonaro não têm força para bancarem sozinhos - como já fizeram no passado - as próximas eleições. Daí a importância das novas lideranças com quem fatalmente terão de se coligar se pretenderem ser competitivos.

Os prefeitos que tomarão posse a 1º de janeiro deverão ter papel fundamental no andamento da política nacional. Dos que puderam concorrer à reeleição (porque ainda estavam no primeiro mandato) 81% reelegeram-se, num percentual recorde. A recondução de governantes municipais nos pleitos passados foi de 60% em média, à exceção de 2016, quando só 49% foram reconduzidos pelo eleitor para cumprir o segundo mandato. Essa aceitação eleitoral também poderá influir no ânimo do Congresso Nacional, onde tramita o projeto que acaba com a eleição para cargos executivos (presidente da República, governador e prefeito). Há a possibilidade do projeto ter o mesmo caminho de tantos outros que repousam por anos nas gavetas do Parlamento. Se 81% dos candidatos na situação reelegeram-se, muitos parlamentares poderão não querer contrariar o eleitorado que neles votou.

A constatação de que Lula e Bolsonaro - queiram, ou não, líderes da polarização esquerda-direita - não têm o tiro tão longo como se pensava antes dessas eleições, se bem analisada, poderá ser a possibilidade do nascimento e crescimento de novas lideranças e até de melhores dias para a vida política do País. Quanto mais opções, mais possibilidades de acerto.

O elevado número de recondução de prefeitos para a realização de um segundo mandato e a baixa participação dos caciques pode ser uma prova de maturidade da política e atuar como benefício ao processo eleitoral. Principalmente se os eleitos conseguirem realizar bons governos. Que todos os políticos exerçam seriamente sua parcela de poder e não deem espaço para a formação do interesseiro e castrador mando ideológico. Se assim o fizerem, construirão o sonhado Brasil novo...

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