OPINIÃO

'...Como o céu é do condor'

Por Zarcillo Barbosa |
| Tempo de leitura: 3 min
O autor é jornalista e articulista do JC

"A praça é do povo como o céu é do condor" - poetou Castro Alves (1864). Mais de um século depois, Caetano defendeu num "Frevo Novo", que a praça em homenagem ao poeta em Salvador, ponto de concentração do Carnaval, só podia ser mesmo do povo, "como o céu é do avião".

A cidade é uma construção social que apresenta diferentes formas espaciais. A praça pública é uma forma de integração do espaço urbano e a praça constitui local de destaque na história da cidade, por ser espaço que representa a vida cotidiana da população, ponto de encontro das manifestações culturais, artísticas, religiosas ou simplesmente de lazer.

Desde a Grécia Antiga, em 2.200 a.C., a Ágora existiu como espaço aberto e livre, local de reunião de pessoas e como centro político da pólis. A legislação, no Brasil, tem esse mesmo entendimento. A praça é insuscetível de ser desafetada sob pena de violação de dispositivos constitucionais. A praça não pode ser alienada, doada, dada em comodato, emprestada a particulares ou a entes públicos. Admite-se, quando muito, autorização de uso, assim mesmo em caráter precário, para ambulantes vendedores de pipoca, algodão doce, cachorro quente e essas coisas que fazem a alegria das crianças. Quiosques de artesanato, sim. Comércio de produtos industrializados já é um excesso. O uso do espaço público como mercadoria deveria ser analisado com mais cuidado.

Os locais abertos da urbe gozam de privilégio constitucional (Art. 5º, XVI). Neles, todos podem se reunir pacificamente, sem armas, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local. Deve-se avisar a autoridade por questão de policiamento preventivo e ordem no trânsito.

Por todos esses argumentos, fica fácil entender que praça tem uma aura de sacralidade. Se modificam sua função estética simbólica, ecológica, social e em seu uso, haverá reações contrárias. Ao longo da história, vários prefeitos de Bauru cometeram o erro de não discutirem intervenções nos espaços públicos com os seus legítimos usuários, os cidadãos. Na passagem do século, o prefeito Izzo Filho, guiado por um projeto do arquiteto Jurandyr Bueno, cercou a Praça Ruy Barbosa de tapumes, arrancou árvores centenárias, construiu um arco iluminado como cenário de fotos de noivos, providenciou chafariz, ergueu um campanário para os sinos que a torre da Catedral não suportaria e aproveitou para uma jogadinha de marketing: a torre em forma de "I" para o relógio. Tirado o tapume, inaugurado o novo espaço, a primeira pergunta: - "Mas cadê o jacaré?" A população nunca aceitou a praça sem lago, sem peixinhos vermelhos e a ponte imitando troncos. Sumiu o velho jacaré dorminhoco, visto com curiosidade e medo pelas crianças.

Jurandyr, que nos deu o Vitória Régia, dessa vez ficou sem a aprovação do povo. Por sorte desistiu de pintar a cúpula do coreto inglês de dourado. O arquiteto trocara o jardim francês, com flores, espelhos d´água e bancos à sombra, pela plaza mayor espanhola, que dá preferência a amplos espaços para as crianças correrem, usarem velocípedes, skates e de repente, servir para um "yo soy contra" político.

Tenho visto na Câmara, discursos inflamados contra a prefeita Suéllen que teria mandado pôr abaixo o chafariz da mesma praça. Vai fazer a sua reforma. O equipamento não era usado, por falta de água e por acumular criadouros de mosquitos da dengue. "Tudo flui" - ensinava Heráclito de Éfeso. Nada é para sempre. A Praça da Bastilha, em Paris, não tem Bastilha. No seu lugar construíram a moderníssima Ópera Nacional para substituir a neobarroca Garnier que segue preservada. Iniciar uma reforma da praça sem ouvir o povo foi sim um erro estratégico da prefeita. A oportunidade de redenção é fazer algo que valha à pena, e seja pré-aprovado pelos bauruenses.

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