OPINIÃO

Sempre... a educação

Por Rivaldo Paccola |
| Tempo de leitura: 6 min

Reportamo-nos às dificuldades - diríamos mesmo as extremas dificuldades - de ensinar aos alunos a língua do estado, a língua escrita, suficientemente estranha para quem se acostumara à língua falada, a língua vernácula, no sentido etimológico dessa palavra, ou seja, a língua da família.

Há um tempo em que a gente ensina o que sabe; em seguida vem outro momento em que se ensina o que não se sabe: isso se chama pesquisar.

Por exemplo, quando fazemos uma análise fina de uma singela palavra da nossa língua - o artigo - investigando sua funcionalidade no texto, bem como sua função estilística de determinação e atualização do substantivo, essa palavra tão pequena mostra sua grandeza. Assim, ao dizermos "eu conheço José", há uma grande diferença de "eu conheço o José", já que o artigo "o" define a pessoa, dá-lhe tom de intimidade; ou ainda, "um lindo sol brilhava em um céu sem nuvens", o artigo indefinido "um" mostra que este sol e este céu se opõem a outros sois, outros céus que não têm essa qualidade.

Se nós nomeamos as coisas com palavras, significa que criamos o mundo através das palavras, que possibilitam ora um proferimento constativo, isto é, descrever o estado de coisas, ora emitir um proferimento performativo, ou seja, realizar uma ação, e isso constitui a linguagem, cuja característica principal é sua função comunicativa. Segundo a Bíblia, a criação do mundo foi um ato de Deus, com suas palavras ele criou todas as cosias.

Somos seres eminentemente sociais e, à medida que interagimos, produzimos enunciados, que são realizados por sujeitos na transmissão de mensagens, através do código linguístico convencional, com intenção comunicativa. Jogamos, portanto, com os parceiros, com o código. Ao envolver os parceiros, atinge-se o social, pois envolve o código, o sistema. Ambos estão interligados, uma vez que os parceiros, ao manipularem o código, produzem a textualidade. Logo, a textualidade tem função normativa e aparece como estrutura necessária em todos os sistemas de comunicação.

Naturalmente, adquirimos a linguagem oral; depois, geralmente na escola, aprendemos a linguagem escrita, num processo educativo que leva muitos anos. E parece estender-se indefinidamente, já que a escola tem abandonado os livros e utilizado ferramentas digitais que, de acordo com as pesquisas recentes, não garantem a melhoria dessa aprendizagem; pelo contrário, os países nórdicos desistiram da educação eminentemente digital e voltaram aos livros impressos.

Nossa educação reedita a torre de Babel. Em busca de alcançar o topo, a excelência, só promove dispersão e desinformação. A culpa nem sempre é dos(as) professores(as), mas do sistema que impõe a substituição da autonomia de cátedra, dos livros, pelos sistemas digitais, por interesses extraeducacionais.

O(A) professor(a) é institucional e idealmente aquele(a) que possui o saber e está na escola para ensinar; o aluno é aquele que ainda não sabe e está na escola para aprender. O que o(a) professor(a) diz se converte em conhecimento, o que autoriza o aluno, a partir de seu contato com o(a) professor(a), no espaço escolar, na aquisição da metalinguagem, a dizer que sabe: a isso se chama escolarização.

Assim, professores precisam ser sensíveis à história de vida dos alunos, resgatando seus sofrimentos, mazelas e universo vocabular. A partir dessa vivência, o conhecimento vai ser construído, a partir do contexto dos alunos.

Que marginalizado acreditará que o mundo aguarda ansiosamente que ele utilize a escrita para se expressar, ao mesmo tempo que ele experimenta o desprezo que se tem pelas formas de expressão que ele utiliza?

Precisamos, em decorrência da continuidade comunicativa, lidarmos com um objeto denominado texto. Assim sendo, o texto funciona como a realiza¬ção linguística da textualidade. Produto do código, seria um conjunto de sinais comunicativos; produto dos parceiros, teria uma função sócio comunicativa. É, pois, um produto simul¬tâneo do linguístico e do social. Portanto, é preciso aprender a construí-lo e entendê-lo

Os livros garantem a perpetuação do texto e permitem sua consulta, sem problema de rede, energia, sistema etc.

Podemos dizer que texto é a unidade linguística comunicativa fundamental, produto da atividade verbal humana, que sempre tem caráter social; é caracterizado por seu fechamento semântico e comunicativo, bem como por sua coerência profunda e superficial, devido à intenção (comunicativa) do falante de criar um texto completo e estruturado por dois conjuntos de regras: as próprias do nível textual e as do sistema da língua.

Entretanto, ao criarmos um texto não será plenamente original, dado que a linguagem de uma sociedade se constitui ao longo de muitas gerações, que a vai atualizando no curso do tempo, tal como ocorre com o palimpsesto - um pergaminho cuja primeira inscrição foi ras¬pada para se traçar outra, que não a esconde de fato, de modo que se pode lê-la por transparência, o antigo sob o novo - podemos raspar o texto e encontrar outras tessituras.

Voltando ao título deste artigo, sempre... a educação em cheque, em busca de soluções, com reformas do ensino, mas patinha e não avança, seja pelos pífios resultados dos indicadores da avaliação educacional, seja pelos dados referentes à produção e comercialização de livros em nosso país.

Ensinar a ler é despertar o cidadão para a importância dessa atividade, que lhe será necessária ao desempenho de atividades laborais, bem como prazerosa à medida em que mergulha no texto e vai construir o sentido, com a incerteza da interpretação, quanto às múltiplas possibilidades da leitura.

A vida se completa com um sentido que se retira do que se leu numa ficção. Daí a importância da escola ensinar os alunos a lerem para que possam encontrar em uma cena lida um modelo ético, um modelo de conduta, uma forma pura da experiência, que não se transmite oralmente, não se trata de um sujeito real que viveu uma experiência e a conta a outra pessoa; a leitura é que modela e transmite a experiência, na solidão.

Se o narrador é aquele que transmite o sentido do vivido, o leitor é aquele que está em busca do sentido da experiência perdida.

Portanto, em literatura, a encenação torna concebível a extraordinária plasticidade dos seres humanos, pois, precisamente porque parecem não possuir uma natureza determinável, podem expandir-se no raio praticamente ilimitado dos padrões culturais. Nossa impossibilidade de presentificarmos a nós mesmos é o que define nossa possibilidade de atuar em uma amplitude do raio, pois nenhuma das possibilidades se tornará real.

A obra literária é uma formação porosa, porque constituída de vazios a serem preenchidos pelo leitor. Assim, embora compreensível, o texto é incompleto, pois ele nunca exaure seu objeto, cujo significado se efetua quando o leitor ali deposita seu conhecimento e experiência.

Deste modo, o sujeito que consome textos ou obras literárias é levado a produzir algo: um outro texto, uma interpretação, mesmo uma recitação atesta que a leitura foi realizada e seus resultados são válidos; então, o sujeito que escreve é aquele que, antes, leu.

A educação, especialmente, a escolar, tem uma função primordial na sociedade, pois, ao circular textos de diversos gêneros literários vai facultar o acesso a experiência e saberes que, por limitações variadas, o ser humano não pode obter de outra maneira.

Propiciar, de uma maneira prazerosa, a leitura de textos literários possibilitará aos jovens estudantes a construção de uma primeira imagem coerente do mundo, que, podemos assegurar, as leituras posteriores se encarregarão de tornar mais complexas e matizadas.

A nós, professores(as), nessa comunicação inesgotável, vitoriosa do espaço e do tempo, que se afirma o alcance universal da literatura, cabe transmitir às novas gerações essa herança frágil, essas palavras que ajudam a viver melhor.

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