ENTREVISTA

Mitsushi Matsumoto: aos 83 anos, ele tornou-se dentista

Por Tisa Moraes | da Redação
| Tempo de leitura: 5 min
Tisa Moraes
 Mitsushi Matsumoto
Mitsushi Matsumoto

Aos 83 anos, Mitsushi Matsumoto continua projetando o futuro e alcançando novas realizações profissionais. No início deste mês, ele formou-se em Odontologia pela Faculdade do Centro Oeste Paulista (Facop) de Piratininga, já com planos para os próximos anos. Filho de japoneses que se fixaram no Brasil no contexto da Segunda Guerra Mundial, ele nasceu em Araçatuba e, na infância e adolescência, enquanto trabalhava pesado na roça, percorreu 40 quilômetros diários de bicicleta, por quase dez anos, para conseguir concluir o ensino fundamental e médio.

Determinado a seguir com os estudos e crescer profissionalmente, na Capital, foi guarda na Casa de Detenção de São Paulo, o Carandiru, onde teve contato com presos políticos da ditadura militar. Em São Paulo, também tornou-se perito criminal, sendo um dos primeiros a atuar na unidade de Bauru, cidade para onde mudou-se em definitivo em 1974 com a esposa Maria Cândida e filhos.

Desempenhando seu ofício, Matsumoto, inclusive, acompanhou o trabalho de perícia quando houve a explosão da avenida Nações Unidas, em 1976, após a visita do então presidente Ernesto Geisel. Tendo como filosofia o conceito japonês ikigai, sobre encontrar propósito e sentido na vida, agora, com o diploma de dentista em mãos, ele revela, nesta entrevista, estar pronto para novos desafios e descobertas. Leia, abaixo, os principais trechos.

JC - O senhor nasceu no Japão? Fale um pouco sobre sua origem.

Matsumoto - Nasci em Araçatuba, mas tenho dupla nacionalidade. Meus pais, já casados e sem filhos, vieram do Japão para cá e tinham esperança de voltar ao país de origem, mas, com a Segunda Guerra Mundial, não conseguiram. Consta que, quando desembarcaram em Santos, vieram de trem a Araçatuba, onde um fazendeiro estava recrutando imigrantes para trabalhar na lavoura de café. Mais de 100 famílias foram para lá e tinha até escola japonesa na fazenda. Com 7 anos, entrei na escola brasileira, mas não entendia nada e comecei a sofrer bullying dos alunos mais velhos, o que me fez desistir dos estudos. Só voltei aos 9 anos, quando comecei a aprender a falar português.

JC - E teve dificuldade?

Matsumoto - Com 5 anos, comecei a trabalhar com enxada na lavoura, só com um dia de folga no ano, e percebi desde pequeno que precisava estudar. Mas, a partir do quarto ano primário, só tinha escola na cidade. Estávamos colhendo algodão, consegui juntar três sacos e vendi para comprar uma bicicleta BSA inglesa. Fiz ginásio, colegial e o científico (curso técnico) em química, pedalando 20 quilômetros na ida e 20 na volta, à noite, sem farol, por quase dez anos. Certo dia, choveu muito e uma árvore caída bloqueou o caminho na volta. Consegui desviar por dentro de uma propriedade, mas um pneu furou e tive que ir empurrando. Aí, encontrei um senhor de terno e chapéu pretos, que parecia assombração, e ainda um boi com a perna quebrada. Cheguei em casa mais de 2h da madrugada e meu pai queria que eu desistisse de estudar. Parei, mas voltei no ano seguinte.

JC - Quando terminou o colegial, foi para onde?

Matsumoto - São Paulo, mais ou menos em 1965, para trabalhar em fábrica e conseguir pagar cursinho para fazer vestibular de medicina em universidade pública. Mas trabalhava 12 horas, à noite, e fazia cursinho das 7h às 13h. Não sobrava tempo para dormir. Estava procurando outro emprego e um amigo sugeriu prestarmos concurso para guarda de presídio no Carandiru, em 1971, época do regime militar. Cheguei a tomar conta de presos políticos, um deles um enfermeiro assaltante de bancos para a guerrilha, que curou um 'cobreiro' que tive. Um dia, resolvi ir à Escola de Polícia, que ficava perto de onde eu morava, e descobri que tinha concurso para perito criminal. Prestei, fui aprovado e designado para Bauru, em 1974.

JC - Foi no início da Polícia Científica em Bauru?

Matsumoto - Já estava casado com a Maria Cândida e viemos com os filhos. Fui um dos primeiros peritos criminais a tomar posse na unidade e trabalhávamos em toda região, em um raio de 100 quilômetros. As rodovias não eram como hoje e a gente ia para muitas cidades. E fazia de tudo: acidente, homicídio, suicídio, exame de balística, toxicológico, grafotécnico, falsificação de dinheiro. Quando o presidente Geisel veio a Bauru e houve aquela explosão na Nações devido ao vazamento de gasolina de um caminhão-tanque e que muitos cogitaram ser um atentado, acompanhei o engenheiro perito novato que assinou o laudo.

JC - Quando se aposentou, conseguiu desacelerar?

Matsumoto - Vi a Polícia Científica de Bauru crescer e trabalhei muito. Minha esposa falava que eu era insocial, porque não ia para festa, praia. Eu me aposentei em 1998, mas sempre gostei de estudar, ler. Sou da Igreja Seicho-No-Ie e também fui voluntário, por 22 anos, como examinador em provas de habilitação de condutores em Bauru e região, fazendo todos os cursos exigidos para a função. Quando a legislação mudou, com mais de 70 anos, ainda tirei CNH de carreta e moto para continuar sendo examinador. Também cuidei da minha esposa, quando ela adoeceu e, com 75 anos, fiquei viúvo.

JC - Então, resolveu fazer odontologia?

Matsumoto - Existe uma palavra japonesa, ikigai, que significa sentido da vida. E, estando vivo e com forças, resolvi fazer a faculdade. Vi uma propaganda da Facop e liguei para saber se tinha restrição de idade para ser aluno. Depois, fui dois dias seguidos até lá, dei uma volta e vim embora. No terceiro, fiz a inscrição no vestibular. Passei e fui muito bem acolhido pela diretoria, professores, demais funcionários e colegas, a quem sou grato. Fui às aulas todas as noites, dirigindo sozinho de Bauru a Piratininga, e ainda superei os desafios de um ano de aulas online, durante a pandemia. Consegui concluir o curso e, agora, tenho vontade de fazer pós-graduação e continuar me aperfeiçoando na área.

O QUE DIZ O DENTISTA:

'Com 5 anos, comecei a trabalhar na lavoura, com um dia de folga no ano, e percebi que precisava estudar'

'Fiz ginásio, colegial e o científico em química, pedalando 20 quilômetros na ida e 20 na volta por quase dez anos'

'Uma palavra japonesa, ikigai, significa sentido da vida. E, estando vivo e com forças, fui cursar odontologia'

Mitsushi Matsumoto na colação de grau em odontologia
Mitsushi Matsumoto na colação de grau em odontologia
 Mitsushi Matsumoto com parte da família na festa de sua formatura
Mitsushi Matsumoto com parte da família na festa de sua formatura
 Mitsushi Matsumoto (o segundo à direita) com os pais e irmãos
Mitsushi Matsumoto (o segundo à direita) com os pais e irmãos

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