OPINIÃO

A mentira digital e a polarização

Por | O autor é jornalista
| Tempo de leitura: 3 min
Zarcillo Barbosa

A ênfase do discurso de posse de Cármen Lúcia como presidente Tribunal Superior Eleitoral foi dada ao combate à "mentira digital", como insulto à dignidade humana. Seria ingênuo acreditar que a criminalização das fake News será uma tarefa fácil para a ministra do STF, nesta sua segunda passagem pelo TSE. A iniciativa era necessária e a gana demonstrada nos enche de esperança de que candidatos e partidos irã se curvar diante dos mais altos interesses da democracia. Mas, como vão se comportar dentro das regras do jogo, ainda é uma incógnita.

Cármen ressaltou os prejuízos, sobretudo em período eleitoral, da comunicação em tempo real sem nenhum freio ou regulação. Lembrou que o TSE terá quase 6 mil eleições para fiscalizar esse ano.

A maioria dos eleitores brasileiros ainda desconhece a lógica perversa de funcionamento das plataformas digitais e de como candidatos mal-intencionados tiram proveito disso. No entanto, "o algoritmo do ódio, invisível e presente, senta-se à mesa de todos". A presidente Cármen Lúcia se compromete a mandar investigar e, se provado, punir os responsáveis na forma da lei vigente. É um alento.

Na contramão do discurso da maior autoridade em matéria eleitoral, no recém findo mês de maio o Congresso manteve o veto de Bolsonaro, aposto à atualização da Lei de Segurança Nacional quando ainda presente da República, fulminando dispositivos de criminalização das fake News.

Um dos artigos vetados criava o crime de "comunicação enganosa em massa", definido pela promoção ou financiamento da disseminação por aplicativos de mensagens, de mentiras capazes de comprometer a lisura das eleições.

A justificativa a favor do veto do então presidente Bolsonaro, foi dada pelo senador Sérgio Moro (União-PR). Segundo aquele que chegou a ser considerado "o paladino da Justiça" na Operação Lava Jato, os artigos pulverizados são demais abertos. Não se poderia criminalizar a conduta dizendo que passa a ser crime disseminar fatos inverídicos nas eleições. Quem será punido? Quem gerou a inverdade ou quem disseminou? - foi a pergunta. Teria que ser criado um "tribunal da verdade" para definir o que viria a ser entendido como fake News, ou afirmação inverídica a ponto de constituir crime.

Os Códigos Penal e Eleitoral dispõem de ferramentas suficientes para punir os ilícitos por calúnia, difamação e injúria. Há o remédio eficaz do direito de resposta para imunizar o vírus da mentira. Existem resoluções do próprio TSE que, recentemente, proibiram a manipulação de áudios e vídeos com ferramentas e inteligência artificial (IA), conhecida como deepfake. Dura missão, a da ministra Cármen Lúcia, a de impor a lisura nas eleições municipais, das grandes capitais aos grotões do país. Os fatos demonstram, nos últimos dois anos, a tamanha a profusão de conteúdos disseminados por atores políticos mal-intencionados.

O Brasil nem chega a ser exemplo fundamental. Ainda outro dia, um vídeo fraudulento mostrava o porta-voz do Departamento de Estado americano afirmando que tropas ucranianas iriam atacar cidades russas com armas fornecidas pelos Estados Unidos. Na Índia, a campanha eleitoral foi inundada por manipulações feitas por IA. Um vídeo real foi adulterado para que o candidato oposicionista dissesse que abandonava seu partido por ser incapaz de "continuar fingindo ser hindu". Um ator famoso, numa deepfake, dizia que o primeiro-ministro Narendra Modi tinha por objetivo celebrar a miséria, a pobreza, o desemprego e a inflação.

A democracia tem perdido a guerra em escala planetária, contra o "algoritmo do ódio". Aqui, a eleição municipal será o grande teste. Cármen, além de combater a proliferação de fraudes na campanha, terá pela frente outro desafio tão grande quanto: evitar que as denúncias que surgirão das correntes ideológicas em disputa, alimentem ainda mais a divisão do país, com julgamentos tumultuados. Somos um país dividido. Isso não é uma coisa boa para ninguém.

Comentários

Comentários