OPINIÃO

A culpa pelas enchentes

Por Zarcillo Barbosa |
| Tempo de leitura: 3 min
O autor é jornalista e articulista do JC

No dia 1º de novembro de 1755, Lisboa foi sacudida por um terremoto que destruiu toda a estrutura da cidade e matou entre 30 a 60 mil pessoas. A Catedral de Lisboa estava lotada e desmoronou sobre a cabeça dos fiéis que rezavam por Todas as Almas, como era chamado o feriado. Seguiram-se ao abalo, incêndios incontroláveis e tsunami.

Contemporâneo da catástrofe, Voltaire considerou que tal fenômeno jamais poderia ter ocorrido se a Terra fosse, como até aquele momento se acreditava cegamente, uma criação divina, regulada pelos princípios da ordem e harmonia. Se Deus pune os pecadores, que pecado teriam cometido as crianças mortas? Por que Lisboa, e não Londres ou Paris?

Rousseau assumiu a árdua tarefa de defender a Providência, que nada teria a ver com o desastre. A natureza é um todo regulado - dizia. Não há efeito sem causa, acontecimento sem razão alguma, nem evento sem qualquer efeito, tudo está ligado. O filósofo genebrino teria uma aprovação muito maior, hoje, quando se considera que tempestades, furacões, secas, são agravadas pela ação humana. Discute-se, exaustivamente, sobre os efeitos do aquecimento global, mas teimamos em considerar "coisa de ecochato" bater sempre na mesma tecla de respeitar o meio ambiente.

As enchentes catastróficas não acontecem somente nos Estados Unidos ou em países asiáticos. Todos nós, estamos chocados e condoídos com o Sul do Brasil, onde mais de 150 pessoas morreram e outras 500 mil estão desabrigadas. Secas e incêndios florestais acontecem, todos os anos, no Nordeste, na Amazônia e no Pantanal. Essas regiões afligidas, com muito mato e pouca gente, causam pouca preocupação aqui no Sudeste. Nos primeiros vinte anos deste século, desastres comumente descritos como "naturais", afetaram 4 bilhões de pessoas no mundo, mataram mais de 1 milhão e provocaram prejuízos de 3 trilhões de dólares.

Nem cabe mais discutir, nesta altura, se a natureza endoidou ou se o mundo virou de ponta cabeça. Desastre é o que ocorre quando um fenômeno potente, mesmo se causado pela natureza, encontra uma população humana despreparada para mitigar os efeitos.

Enchente, se o leitor aceitar o conceito acima, não é desastre, mas atingindo uma cidade despreparada, sem construções sólidas, sem abrigos, sem drenagem adequada, transforma-se em evento catastrófico. Pensar em políticas públicas que possam amenizar os efeitos emocionais deste evento para as pessoas, é o mínimo que se espera do agente público. As cidades precisam estar preparadas, não só para avisos da Defesa Civil e para amontoar desabrigados em ginásios de esporte.

Pesquisas de âmbito mundial (Brasil incluso) da Associação Americana de Psicologia, detectam a "ansiedade climática" que inferniza a vida das pessoas. Essa ecoansiedade se traduz em medo crônico de sofrer cataclismo ambiental. No Brasil, ecoansiedade até ganhou status formal ao ser incorporada como nova palavra pela Academia Brasileira de Letras que a define como "um estado de inquietação e angústia desencadeado pela expectativa de graves consequências nas mudanças climáticas, e pela percepção de impotência diante dos danos irreversíveis ao meio ambiente".

Há aqueles que consideram que o Planeta já sofreu o suficiente por causa das atividades humanas, a ponto de os efeitos nocivos não terem mais volta. Agora, é pensar nos sobreviventes. Emoções desconfortáveis, angústia, tristeza, impotência, dó e até raiva em relação às mudanças climáticas e suas consequências, precisam de atenção. Faltam investimentos em prevenções, infraestrutura, manutenção, análise de risco e planos de mitigação. Remediar efeitos é mais caro do que os prevenir.

Pensando nisso, o presidente Lula anunciou a criação de um Centro Nacional de Desastres. Não sei o que será feito do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) e com o Plano Nacional de Defesa Civil, no papel desde 2012.

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