OPINIÃO

É preciso politizar a tragédia gaúcha

Por Luiz Malavolta |
| Tempo de leitura: 3 min
O autor é jornalista em São Paulo

Em 18/03/1967, sábado de um verão de muita chuva, parte da Serra do Mar deslizou sobre a cidade de Caraguatatuba, no litoral norte de São Paulo.

Dias contínuos de chuva enfraqueceram as encostas, resultando em deslizamentos de terra, arrastando toneladas de lama e densa vegetação.

Cerca de 450 pessoas morreram na cidade, quando ruas, comércio e casas foram invadidos por toneladas dessa lama. Três mil pessoas perderam suas casas. A cidade ficou ilhada por três dias, sem luz e energia. Cerca de 30 mil árvores escorregaram das encostas dos morros, destruindo parte da rodovia dos Tamoios.

Até hoje é possível se ver na Serra do Mar as marcas nos morros de onde terra e vegetação escorregaram. A Serra do Mar é uma área frágil, onde chove muito e foi desmatada e ocupada irregularmente por famílias pobres ao longo do tempo.

A situação mais crítica é na Baixada Santista, na região de Santos, São Vicente e Cubatão, onde existem os chamados "bairros cota", encravados na encosta da serra, que surgiram após o término das obras da antiga estrada de Santos. Os "bairros cota" foram originalmente ocupados por operários que na década de 1930 vieram do Nordeste com suas famílias para trabalhar nas obras de construção da estrada. Após o fim da construção fixaram moradia onde havia os canteiros de obras das empreiteiras. Quem sobe pela Rodovia dos Imigrantes avista esses "bairros cota" na Serra do Mar. São chamados de "cota 100", "cota 200"..., dependendo da altura que estão em relação ao nível do mar.

Em 2007, o governo paulista tentou tirar os moradores desses locais, porque a área oferece risco; construiu apartamentos para as famílias fora da serra, mas muitos permaneceram ali. Por ação e omissão dos seguidos governos estaduais e federais, o Brasil construiu ao longo do século vinte e também do atual uma sociedade não só desigual social e economicamente, mas também eregida em áreas de risco e em habitações constituídas de barracos de favelas, construções sem técnicas de engenharia, encravadas em áreas de risco. Rios, represas e lagos se tornaram locais de descarte de esgoto e lixo. Tietê e Pinheiros, que já alagaram a capital muitas vezes, foram destruídos e estão mortos. Tornaram-se vitrine de uma mentalidade predatória e desrespeitosa com o meio ambiente e a natureza.

O desastre ambiental do Rio Grande do Sul desta vez não poupou ninguém. Pobres, classe média e gente rica, todos foram afetados e já entenderam que a culpa não é da natureza. A tragédia é somatória de todos os erros, omissões e escolhas políticas. Ninguém se deu conta de que choveu tão forte também no Uruguai, que faz fronteira com o Rio Grande do Sul, e não houve lá no vizinho país o caos que tivemos aqui. Por que será? Será por que os uruguaios cuidaram melhor de seu povo, de seus rios, de seus campos? Não desmataram, não ocuparam fundos de vales? Não impermeabilizaram o solo e nem desmataram as florestas para fazer pastos ou plantações de soja?

Onde estava a imprensa gaúcha que não viu e não denunciou a destruição dos mananciais e nem alertou da tragédia meteorológica que estava em andamento nas telas dos radares?

Por que rádios, jornais e TVs de São Paulo e Rio demoraram quase uma semana para divulgar a tragédia no sul do país? E por que, quando abriu espaço, pediu para não politizar a questão? Querem proteger quem? A questão é totalmente política pois originou-se dentro da própria política, nas Câmaras Municipais, prefeituras, Assembleias Legislativas, Congresso Nacional e Executivo Federal.

A eleição municipal de outubro pode ser o momento de começar a mudar este estado de coisas no país, votando em candidatos comprometidos com a sociedade e não com os financiadores de suas campanhas, que querem manter tudo como está, pois têm seus interesses garantidos.

Comentários

1 Comentários

  • Hermann Schroeder 18/05/2024
    \'Entre rios, a urbanização de São Paulo\', e \"Nada nos deterá, NOB\" dois vídeos que ainda estão disponíveis no YouTube, são a prova material de que tudo é decisão política. E, toda decisão política é, em última instância, uma decisão financeira, econômica. Onde poucos lucram em detrimento de muitos.