COLUNISTA

O mistério da vida que passa pela morte

Por Dom Caetano Ferrari | 25/02/2024 | Tempo de leitura: 4 min

Bispo Emérito de Bauru

Neste segundo domingo da Quaresma o Evangelho de Marcos 9,2-10 relata a transfiguração de Jesus no Tabor. A glória e ressurreição de Jesus, depois de sua paixão e morte, ensinam que o ser humano pecador chegará à sua glorificação e futura transfiguração depois de passar neste mundo pela penitência, conversão e vida com Deus. Eis porque as leituras deste domingo levam a Igreja a viver o mistério da vida que passa pela morte. Difícil é entender essa imagem de Deus na obediência de Abraão que ofereceu em sacrifício seu filho, Isaac (cf.1ª leit., Gn 22,1-2.9a.10-13.15-19). Pois, Deus "não poupou o próprio Filho, mas o entregou por todos nós". A cena do Tabor é uma repetição do batismo de Jesus no rio Jordão e uma prefiguração de sua morte e ressurreição: "Este é o meu Filho amado". Com efeito, como só a partir da ressurreição se torna possível compreender o mistério da morte de Cristo, assim também só a partir da ressurreição é possível compreender o que diz Paulo na 2ª leitura (cf.Rm 8,31-34). O caminho da morte que Jesus trilhou constitui-se na sua maior prova de amor ao Pai e à humanidade. Assim como na transfiguração de Jesus está presente sua Paixão e Morte, de igual modo a nossa vida em glória passa pelo mistério da morte. Portanto, toda a caminhada da Quaresma deve ser vivida á luz da ressurreição.

Embora quase esquecido, há, porém, um paradigma na teologia que não perdeu a sua validade, segundo pensa muita gente boa, inclusive modestamente eu. O esquema é este: À uma espiritualidade ou religiosidade vertical corresponde outra horizontal. Dizendo de outro modo, vertical é a relação pessoal com Deus, "eu e Deus", e a horizontal, a relação pessoal com os outros e o mundo, "eu e os outros e o mundo". Com outras expressões, se diz vertical a que se refere à caridade-justiça de Deus ou para com Deus e a horizontal, à caridade-justiça social ou para com os outros. Como se pode perceber, é uma explicitação dos dois mandamentos da caridade: 1- "Amarás ao Senhor teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com toda a tua mente"; 2- "Amarás ao próximo como a ti mesmo". Aquele é o maior e o primeiro mandamento. Este é semelhante àquele, mas é o segundo mandamento conforte Jesus explica em Mateus 22,36-39. Que quero dizer com isto? Exatamente, chamar a atenção para frisar que embora as duas espiritualidades sejam semelhantes, no entanto, a vertical é a primeira e a horizontal a segunda. Ou seja, os deveres para com Deus vêm em primeiro lugar e em segundo os para com o mundo da criação. Em outros termos, os direitos de Deus sobre cada um de nós precedem aos direitos que os outros e o mundo têm sobre nós. Os direitos de Deus e as obrigações que temos para com Deus se expressam em tudo o que concerne à sua santa vontade e em suas leis. Basicamente, nossas obrigações consistem em conhecer a vontade de Deus para vivê-la, em observar os seus mandamentos e ensinamentos, em praticar as virtudes e as obras de misericórdia e em vencer as tentações e evitar todo pecado que é sempre uma ofensa feita a Deus pela desobediência à sua lei. Como dizemos que Deus é amor e fomos criados à sua imagem e semelhança, amar é tudo na vida. Por isso, o essencial na vida cristã é o primeiro mandamento: "Adorar a Deus e amá-Lo sobre todas as coisas". De tal maneira, com toda razão, a teologia nos diz que por causa do amor a Deus segue-se o amor aos outros e entre estes aos pobres e sofredores. Pois bem, conforme a espiritualidade quaresmal, a conversão consiste em que, primeiramente, eu e você ou nós cristãos devemos voltar-nos para Deus e procurá-Lo com todo o coração como primeiro passo para podermos convocar toda a sociedade a se colocar também diante de Deus e a ouvir a sua voz convidando todos à conversão. Porquanto, como fica evidente, a conversão passa pela pessoa, deve começar com cada um de nós, depois pelos outros da comunidade e da sociedade. A conversão deve começar comigo e com você, prezado/a leitor/a. Nós precisamos voltar o coração para Deus pelos exercícios quaresmais da "oração, jejum e esmola", e buscar a reconciliação mediante os sacramentos e a celebração pascal da paixão, morte e ressurreição do Senhor.

A conversão que nos leva a mudar muita coisa em nossa vida é que renova em nós atitudes e comportamentos e que, por fim, devolve a paz ou a faz crescer em nossos corações. Por isso, a Igreja, mãe e mestra, nos ensina que somente homens e mulheres convertidos e pacificados poderão ser pacificadores e promover a justiça, a paz, a reconciliação e a fraternidade ao redor, na sociedade e no mundo. Em síntese, não haverá nunca mundo novo sem homens e mulheres novos. A convocação da Campanha da Fraternidade é a conversão pessoal e a construção da fraternidade e amizade social.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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