
Desde muito cedo, Mariah Reinato Ferrão sabia que seria médica para atuar em serviços de urgência. No meio do caminho, já trabalhando na profissão, descobriu também sua vocação como gestora. E, nas duas posições, o objetivo é o mesmo: salvar vidas.
Hoje, aos 37 anos, Mariah é a nova diretora técnica do Samu Regional Bauru, cargo assumido em maio deste ano, quando passou a coordenar uma equipe de 180 profissionais. Com olhos marejados, ela conta, nesta entrevista, que chora até hoje quando precisa informar uma família sobra a morte de um ente querido.
Com essa empatia norteando sua conduta no serviço público, cuidando de doenças, mas também de sentimentos, ela ainda é diretora técnica do Hospital de Agudos e atua na UTI do Hospital Militar de Área de São Paulo, como tenente temporária do Exército. Foi também diretora técnica da UPA de Lençóis Paulista e responsável pelo Posto Avançado Covid-19 (PAC) de Bauru.
Nascida em Bariri, Mariah é mãe de Matias, 12 anos, com quem gosta de treinar crossfit nas horas vagas. O tempo fora do trabalho também é dedicado ao namorado, Breno, médico do Samu, e ao projeto-recém criado por ela, o "Cada minuto conta", que leva treinamento de primeiros socorros a academias. Leia, abaixo, os principais trechos da entrevista, em que a médica relembra sua trajetória, os desafios em atuar em um serviço de urgência e como usa seu conhecimento para dar nova chance a inúmeros pacientes.
JC - Conte um pouco sobre sua origem. Há médicos na família?
Mariah - Não. Meu pai trabalhava no Procon de Bariri e minha mãe era dona de casa. Somos cinco irmãos e ela ficava cuidando de nós. Vim morar em Bauru com sete anos, por conta do trabalho dele e aqui fiquei até 2003, quando acabamos nos mudando para Agudos, por ser uma cidade mais tranquila. Moro lá até hoje. Eu me formei em medicina em 2015, na Universidade Santo Amaro (Unisa), e tive meu filho no meio da faculdade. Por conta disso, parei de estudar por um ano, mas consegui concluir.
JC - Por que escolheu trabalhar no Samu?
Mariah - Sempre gostei da urgência, de atender pacientes graves. Acho que nasci com isso. Antes da faculdade, meu sonho era fazer medicina para trabalhar em organizações como Médicos sem Fronteiras, mas, depois que tive filho, os planos mudaram. Fiz especialização em terapia intensiva adulto no Hospital Albert Einstein, prestei concurso e fui atuar no Samu, por saber que o atendimento prestado na primeira hora faz muita diferença no prognóstico do paciente.
JC - E como acabou sendo convidada a assumir a coordenação do serviço?
Mariah - Meu primeiro emprego foi na UPA de Lençóis Paulista e fui convidada a ser diretora técnica da unidade, onde fiquei de 2016 a 2020. Não sabia nada de gestão, mas gostei. Quando passei no concurso em Bauru, saí de lá. Eu já era diretora técnica do Hospital de Agudos desde 2018 e, quando o Guilherme Tripoli decidiu deixar a diretoria técnica do Samu, assumi o cargo. Agora, estou terminando meu MBA em gestão hospitalar pela FGV e acabei de começar a fazer faculdade de tecnólogo de gestão de saúde pública.
JC - Como é a rotina do seu trabalho? Muito estressante?
Mariah - A primeira característica que a pessoa precisa ter para trabalhar na gestão do Samu é gostar do que faz. Precisa ter motivação e dedicação, porque é muito trabalhoso. Sou demandada o dia todo, inclusive aos sábados e domingos. Hoje, saio só de vez em quando para atendimento de pacientes, quando a escala de médicos não está completa, e sinto bastante falta de sair mais. Fico mais nas funções administrativas. E tenho minhas funções em Agudos. Apesar de não ter carga horária lá, trabalho remotamente. Além disso, toda sexta-feira, faço plantão de 24 horas em São Paulo. Sou tenente e fico na UTI do Exército, atendendo militares da ativa e da reserva e seus dependentes. Este era outro sonho que eu tinha e consegui realizar. Vai fazer dois anos que estou lá e, como sou temporária, posso ficar até oito. É um ambiente muito acolhedor. Estou bem realizada com tudo o que faço hoje.
JC - Tem algum caso que tenha te marcado mais no Samu?
Mariah - Quando entrei, quis retomar o projeto Samuzinho, que ensina primeiros socorros a crianças, depois de atender a ligação de um adolescente dizendo que o avô não estava respirando. Orientei o que ele deveria fazer e fui no chamado. Cheguei na casa e ele estava fazendo o procedimento de ressuscitação. Coloquei o desfibrilador no paciente, os batimentos cardíacos voltaram e o transferimos para o hospital. O menino ficou muito feliz por ter ajudado a salvar a vida do avô.
JC - E por que decidiu criar o projeto "Cada minuto conta"?
Mariah - Eu treino crossfit e, certo dia, cheguei na academia e a professora disse que um homem tinha morrido após uma parada cardíaca. Depois disso, me dei conta de que os chamados dentro de academias e ginásios são frequentes. Então, decidi criar um projeto para ensinar, gratuitamente, primeiros socorros em academias e a primeira aula foi no último dia 12, em Agudos.
JC - Você, como muitos médicos, também atuou na linha de frente contra a Covid-19?
Mariah - Sim. Antes de assumir a diretoria técnica, eu fiquei responsável pelo Posto Avançado Covid-19 (PAC) e trabalhava na UTI do Hospital São Francisco. Foi um período bem difícil, porque perdemos muitos pacientes, incluindo jovens. Uma vez, em 24 horas, fiz quatro atestados de óbito. E, por medo de levar Covid para casa, aluguei um apartamento em Agudos, onde morei sozinha. Fiquei um tempão sem ver meu filho. Foi bem complicado.
JC - Como faz para manter o equilíbrio mental?
Mariah - Toda vez que dou uma notícia de óbito, choro com a família, fico triste e acho que serei sempre assim. Mesmo lidando com o sofrimento das pessoas todos os dias, não me dessensibilizei. Trabalhar na gestão para evitar o máximo possível esta dor da morte é o que me move.
O que diz a diretora:
'Sempre gostei da urgência, de atender pacientes graves. Acho que nasci com isso'
'A primeira característica de quem vai trabalhar na gestão do Samu é gostar do que faz'
'Toda vez que dou uma notícia de óbito, choro com a família, fico triste e acho que serei sempre assim'