COLUNISTA

Agulhas injetadas que viram anzóis

Por Alberto Consolaro |
| Tempo de leitura: 3 min
Professor Titular pela USP e Colunista de Ciências do JC
Orifício na pele pela entrada e saída de agulha, vista no microscópio eletrônico. Em baixo, agulha com bisel em anzol na ponta, depois da injeção de anestésico
Orifício na pele pela entrada e saída de agulha, vista no microscópio eletrônico. Em baixo, agulha com bisel em anzol na ponta, depois da injeção de anestésico

Na superfície da pele, a epiderme recobre um tecido conjuntivo com fibras colágenas, vasos, nervos e células, unidas por um gel chamado matriz extracelular, tal qual a gelatina do sagu. Ela dá uma sensação de pele macia, gostosa de pegar, com uma turgidez encantadora.

A pele túrgida é um colchão de nuvens e sonhos em que nos deixamos abraçar para se chegar à plenitude de amor. A turgidez vem do estado de hidratação da pele que pode estar diminuída pela ingestão reduzida ou perda excessiva de líquidos. Mas, não se tem líquido livre entre as células e fibras.

Do viço do nascimento até as conquistas da vida, o gel da matriz extracelular parece menos brilhante e exuberante. Há uma busca desenfreada para se retomar o aspecto encantador com injeção de produtos, via agulhas duras e inelásticas que viajam pela matriz extracelular, sem qualquer desvio ou ginga do balé e da gafieira por entre as fibras, células e outras estruturas. Elas perfuram em linha reta e cruel.

TESTE DA GAZE

As agulhas têm biseis tão finos, que se dobram ao encostar em qualquer coisa rígida como a própria embalagem, instrumentos, tampa de frasco, cartilagem, osso e dente. Na anestesia local, a ponta da agulha pode tocar na superfície óssea vizinha e fazer um anzol. A ponta ultradelicada da agulha biselada se dobra para um ou para o outro lado, formando um anzol só visto no microscópio.

Se deslizarmos a agulha em uma gaze, se houver anzol, os fios serão fisgados enrugando-a. Imaginem esta agulha com anzol saindo, depois de introduzida nos tecidos moles para injetar algum produto ou um anestésico local. O “teste da gaze” é muito importante, e mais ainda, se a agulha for novamente injetada nos tecidos do paciente.

Ao sair com este anzol, a agulha vai pescando filetes neurais e vasos pequenos, quando não fibras colágenas e musculares de seu caminho. Desta forma, pode acontecer áreas hemorrágicas com hematoma, dores por miosite, parestesias, anestesias e paralisias localizadas depois de procedimentos infiltrativos e anestésicos. Isto explica por que difere o período pós-operatório em cada paciente.

OUTROS CUIDADOS

Estas consequências podem não estar relacionadas com as agulhas em anzol, mas com o tipo de produto injetado quanto a sua qualidade, esterilização, toxidade e tempo de validade, sem contar com a quantidade aplicada. O ideal para o profissional, depois dos procedimentos, é fotografar ou oferecer as embalagens dos produtos para os pacientes ficarem mais seguros e tranquilos. Na embalagem vai constar a origem do produto, registro Anvisa e validade.

A forma como foi injetado um produto, mesmo que um anestésico, deve ser lentamente e de forma suave. O produto vai se deslizando e “misturando” se com a matriz extracelular, interagindo-se por entre as fibras e células. Quando rapidamente injetado, o material injetado pode ir rasgando ou abrindo bruscamente espaços entre as fibras, vasos, nervos e células, o que pode gerar uma quantidade maior de proteínas livres na região, induzindo uma inflamação significante com edema e dor.

TRES CONSIDERAÇÕES FINAIS

1 - Em pesquisas depois de anestesias locais, algumas agulhas ficavam com o formato de anzol ao microscópio eletrônico, pelo toque em superfícies duras. Ao retornar, o anzol pode fisgar fibras, vasos e nervos, promovendo sintomatologia e efeitos indesejáveis.

2 - Cada detalhe em uma técnica indica requinte, que se obtém com muito treinamento em cursos de formação profissional e humanística. Sejamos criteriosos e serenos nas escolhas.

3. Os tecidos não têm microrganismos, que ficam nas superfícies cutâneas e mucosas. Injetar produtos é comunicar o meio interno, sagrado e estéril, com o meio contaminado que vivemos. Estes procedimentos devem ser feitos em plena cadeia asséptica incluindo equipamentos, instrumentos e pessoas.

Comentários

1 Comentários

  • LUCIANE 21/05/2023
    Bom senso sempre é seu nome, querido prof!