Regional

Fazenda com mais de 150 anos em Jaú guarda relíquias

Rita de Cássia Cornélio
| Tempo de leitura: 14 min

Éder Azevedo/Reprodução

Peças em bronze e cobre, que antigamente eram usadas como utensílios domésticos, hoje servem de enfeites

A cidade de Jaú (47 quilômetros de Bauru) tem um tesouro histórico incrustado na área rural. A fazenda Mandaguahy, de 157 anos, é uma propriedade privada e preservada, que conta e mostra um pouco do que foi a era do café na região. A casa grande é um verdadeiro “mostruário” de um passado vivido pela família de Major Prado. O casarão pode ser visitado e parte da história é contada pelo tataraneto dele, Guilherme Eduardo de Almeida Prado Valente.


Quando a porta da casa grande se abre é como se a gente estivesse entrando no passado. A divisão da casa é uma demonstração de como a sociedade se organizava nos anos posteriores à abertura da fazenda, datada de 1858. A visita ficava isolada aos primeiros cômodos.


À direita, um escritório; à esquerda, a sala de receber a visita. O escritório exibe móveis de madeira maciça e um quadro com a árvore genealógica. Pinturas feita à mão dão um toque especial a uma das paredes. Sem contar que a chapeleira da entrada ainda conserva algumas bengalas. O piso é de madeira, do tempo que ainda se chamava assoalho.


A sala de visitas tem paredes forradas de fotografias da família daqueles que um dia moraram na casa ou foram queridos pelos proprietários, além de quadros e espelhos. Sobre sofás e cadeiras de madeira maciça, bibelôs de louça e porta retratos. Segundo Valente, a parte social começava na sala de jantar ou praça, como era chamada. “Ela dava acesso a todos os quartos, eram oitos. Era ali que tudo acontecia, a vida social da família. Todo mundo que entrasse para alguma parte da casa, passava por ali. Na sequência, vinham a cozinha e a parte de serviços.”


A casa passou por reforma em 1910, quando foram construídos os banheiros internos. “Foi a maior reforma feita na casa grande. A sala de jantar foi diminuída. Tinha 76 metros quadrados, hoje ela tem 49. O espaço foi usado para fazer com que os quartos ficassem  maiores.  As alcovas que eram os quartos sem janelas foram supridas. Um virou um quarto comprido e outro uma rouparia.”


Mesmo diminuída a “praça” conservou ares de nobreza, a começar pelas portas altas e pesadas. Cristaleira recheada de peças de cristais. Buffet coberto com o mais legítimo mármore rosa faz companhia ao “jogo” de pratos de porcelana que decoram a parede. As mesas com seus pés firmes no chão têm histórias escondidas nas veias da madeira de mais de 100 anos.


Da sala onde eram realizados os jantares se tem acesso aos quartos ou à parte íntima da casa. Neles, há uma pequena pia onde era possível o ocupante lavar o rosto. O guarda-roupas de duas portas tem espaços grandes com dois gavetões e dão a entender que naquela época as pessoas não tinham tantos modelos como atualmente.   


Passeando pelos cômodos do casarão é possível ver muitos livros da época. Peças em bronze e cobre, que antigamente eram usadas como utensílios domésticos, hoje servem de enfeites. Telefones do tempo que era preciso recorrer à telefonista para completar uma ligação permanecem nos lugares de origem.


Como a casa é habitada há uma mistura de utensílios contemporâneos com antigos. Ao redor da casa grande há um pomar de recreação recheado de plantas ornamentais e frutíferas. “A área tem 33 mil metros quadrados e vai subindo. O pomar  foi feito em terraceamento. As muretas e as escadas são confeccionadas em pedra. Tem uma trilha para passear entre as plantas. A maior plantação e ‘estrela’ são as jabuticabeiras.” 

Roteiro do passeio pela propriedade


O passeio começa pela casa de máquinas e tulha de café. A casa das máquinas é o local onde se beneficiava o café. Hoje, o visitante pode ver uma das máquinas de descascar e separar os grãos. Têm as ferramentas usadas no café e fotos da época. Estão lá o arado, a peneira, o rodo e os rastelos. O carrinho que espalha o café pelo terreiro é todo furado para que a água escorra. Também tem a pá de madeira usada para espalhar o café pelo terreiro puxada por burro. Há o  descascador, o arreio, o trole e os torradores, de vários tamanhos.


Na sala seguinte, onde o café era carregado na época, hoje é um refeitório. Logo ao lado tem uma pequena capela. À frente fica a casa grande e ao lado a senzala e o alambique. 


Serviço


Agende sua visita pelo telefone (14) 3622 -2707 ou visite o site https://www.fazendamandaguahy.com.br.

Mandaguahy: suas histórias e relíquias


A propriedade de Jaú, inaugurada em 1858, já foi chamada de Fazenda Pouso Alegre, e ainda abriga uma parte da memória da escravidão no Brasil

Éder Azevedo

Guilherme Eduardo de Almeida Prado Valente é o proprietário da fazenda e conta suas histórias

A história da Fazenda Mandaguahy se mistura à da família Almeida Prado. A propriedade registra momentos difíceis, não só da família, mas da história do Brasil, como o tempo da escravidão. A senzala fica logo ao lado da casa grande e conserva objetos que remetem à época. “A fazenda tinha dois quartões destinados a acolher os escravos. Tivemos escravos até junho de 1887. Era uma menina de 9 anos. À época, a Lei do Ventre Livre libertava os escravos a partir de 21 anos”, ressalta  Guilherme Eduardo de Almeida Prado Valente.

A abertura da propriedade aconteceu no ano de 1858 com a compra de uma gleba de terra de cerca de 6 mil alqueires pelos irmãos Almeida Prado: Antonia, Leonor, Lourenço, Francisco, Vicente e João, filhos do Capitão-Mór de Itu, João de Almeida Prado, netos do Ouvidor Lourenço de Almeida Prado e Capitão-Mór Vicente Taques Góes de Aranha.


A gleba da Fazenda Sant’Anna do Mandaguahy pertencia à irmã mais velha, Antonia de Almeida Prado, casada com Joaquim Pires de Campos. Antonia morreu em 1862, não deixando descendência. A Fazenda Mandaguahy, com então 499 alqueires, ficou para o segundo marido, Joaquim Pires de Campos, bem como os bens móveis que estavam na fazenda como tachos de cobre, panelas de ferro, canastras, louças de mesa, bules, castiçais, oratório com imagens, catres, bruacas, bancos e cadeiras, além dos 15 escravos.


Já os três filhos do primeiro marido de Antonia de Almeida Prado, Joaquim Ferraz de Almeida, ficaram com as outras propriedades na Vila de Jaú e Piracicaba. Joaquim Pires de Campos casou-se com Anna Joaquina Ferraz ainda no ano 1862.


Joaquim e Anna tiveram apenas um filho, João leite Ferraz de Campos, pois, no final do ano de 1863, Joaquim Pires de Campos morreu, deixando Anna viúva aos 15 anos com metade da Fazenda Mandaguahy, 249.5 alqueires ou 598 hectares; e a outra metade para seu filho.


No inventário de Joaquim Pires de Campos, a fazenda é descrita com pouco detalhe, mas nota-se que já havia toda uma estrutura montada. Como bens de raiz são citadas casas, senzalas e mais benfeitorias avaliadas em 1 conto e setecentos mil réis. Ana Joaquina Ferraz casou-se pela segunda vez com Joaquim do Amaral Campos, não tendo filhos deste matrimônio.


Ficou viúva pela segunda vez em novembro de 1866, aos 18 anos. Seu segundo marido lhe deixou alguns móveis, como catres, cômodas, canastras, dobradiças, pregos e 11 arrobas (165 kg) de açúcar. Podendo-se inferir que havia provavelmente um pequeno engenho na Mandaguahy, apesar deste não ter sido inventariado.


Anna Joaquina, 18 anos, um filho, proprietária de terras, casou-se então com o também viúvo Francisco de Paula Almeida Prado, o “Major Prado”, em janeiro de 1867. Francisco de Paula, 46 anos, 8 filhos, 40 escravos, era proprietário da Fazenda Riachuelo, também originária da gleba inicial chamada Fazenda Pouso Alegre e irmão de Antonia de Almeida Prado.


Major Prado foi o último dos irmãos Almeida Prado a tomar posse de suas terras. Ao abrir sua fazenda em 1865 nomeou-a São José do Riachuelo, em homenagem à batalha da Guerra do Paraguai. Francisco de Paula Almeida Prado foi líder político do partido conservador e major pela Guarda Nacional no Império. Na Vila de Jaú, ele foi delegado, juiz municipal, fez doações para a construção da igreja, para aquisição do órgão de tubo alemão e de um terreno para a Santa Casa de de Jaú.


Ana Joaquina e Francisco de Paula foram casados por 37 anos e tiveram 7 filhos. Moraram ora na Fazenda Riachuelo, ora na Fazenda Mandaguahy, bem como em  Jaú, na rua que hoje leva seu nome. Major Prado morreu aos 83 anos, em Jaú, em 1904. Após o falecimento do marido, Ana Joaquina mudou-se para São Paulo, onde viveu até sua morte, em 1929.


A casa grande tem estilo eclético com predominância do neoclássico e mobiliário antigo. A fazenda inclui senzala, tulha em estilo barroco ou colonial, lavador de café, casa do administrador, casa dos colonos, mini museu dos ciclos econômicos, mini museu da mão-de-obra escrava, mini museu do café, cocheiras, jardim, pomar com árvores centenárias, relógio de sol e terraços feitos de pedra.

Cachaça


Da fazenda sai a cachaça que leva o mesmo nome vendida para comerciantes de Campinas e São Paulo. Na propriedade se produz a cana e é feito todo o processo, comenta Guilherme Valente.  “Quem faz a cachaça é meu irmão Francisco. Fazemos da parte que não tem adubo químico. Daí a cana orgânica”. O coração, segundo ele é a parte nobre do processo de destilação. “Tem a cabeça, com o maior teor alcóolico. A cauda é a parte mais aguada. Aqui só se aproveita o coração, o que difere da cachaça industrial onde se usa os três.”


Visitantes desfrutam da paisagem, beleza e dos produtos feitos na propriedade rural

Fotos: Éder Azevedo

Fazenda mantém o alambique, tulha e senzala

Cômodo onde o café era carregado hoje é um refeitório

A Fazenda Mandaguahy foi aberta à visitação pública em 1997. Oferece vários tipos de visitas, que vão de pequenos grupos de familiares a excursões. Entre as modalidades estão: visita cultural, lanche à Anna Joaquina e visita cultural, almoço à Anna Joaquina e visita cultural, passeios escolares/turismo pedagógico.


Na visita cultural é possível conhecer a casa, pomar, alambique e senzala, com degustação de produtos feitos na fazenda. A duração é de uma hora e meia para um grupo mínimo de 5 pessoas.


O lanche à Anna Joaquina e visita cultural é possível passear no pomar, conhecer o alambique, a senzala, a tulha e degustar um lanche na sede. O lanche é composto por geléias, pães, biscoitos, leite, suco, manteiga, queijos e patês produzidos na propriedade rural, servidos na bela sala de jantar da casa grande. A duração é de duas horas e meia para um grupo mínimo de 10 pessoas e máximo de 20 pessoas. Não é permitido menores de 10 anos. 


O almoço à Anna Joaquina e visita cultural compreende passeios ao pomar, alambique, senzala, tulha e almoço com aperitivos (cachaça e batida), torradas e patês, dois tipos de carne (frango e suína ou bovina), salada, arroz, feijão gordo, farofa e suco, servido na antiga tulha de café.  Duração de até três horas para grupo mínimo de 5 adultos e máximo de 60 pessoas.


Os passeios escolares/turismo pedagógico pode ser de quatro, seis ou dez horas. O programa de até quatro horas de permanência inclui programa educativo ou recreativo e lanche com produtos caseiros (geléia, pão, queijo ou ricota, bolo e suco natural). Outra versão é o programa de até quatro horas, incluindo programas educativos e recreativos e almoço (frango ou carne bovina com batatas, arroz, feijão, farofa, macarrão, salada e sobremesa).

"A fazenda tinha dois quartões destinados a acolher os escravos. Tivemos até 1887", disse Guilherme Valente - Proprietário da fazenda

A opção de até seis horas de permanência inclui lanche e almoço com programas educativos e recreativos. O lanche é composto de produtos caseiros (geléia, pão, queijo ou ricota, bolo e suco natural) e o almoço (frango ou carne bovina com batatas, arroz, feijão, farofa, macarrão, salada e sobremesa).


O programa de até dez horas de permanência inclui dois lanches e almoço com programas educativos e recreativos. Todos os passeios devem ser agendados antecipadamente pelo telefone (14) 3622-2707 ou pelo https://contato@fazendamandaguahy.com.br.

A fazenda se reserva o direito de alterar os formatos, cardápios e valores dos programas sem aviso prévio. 

Caminhadas


Há duas opções de  percurso para caminhadas agradáveis e com baixo grau de dificuldade. Curta: com bosque mais mata ciliar de 1.500 metros e baixa dificuldade. Média: com pomar, bosque e mata ciliar de 2 mil metros de percurso e baixa dificuldade. O Córrego Mandaguahy,  que tem água usado no abastecimento de Jaú, proporciona banhos e caminhadas pelo seu leito parcialmente recoberto por lajes de basalto. É possível flutuar nas corredeiras. A descida é curta, com cerca de 300 metros de percurso com profundidade média de 50 centímetros.


O Bosque Maria Cecília tem cerca de 30 mil metros quadrados de preservação, possui grande quantidade de nascentes e proporciona ao visitante uma visão da mata secundária ou pioneira com identificação das espécies.

Éder Azevedo

A casa grande da Fazenda Mandaguahy tem estilo eclético, com predominância do neoclássico

 


Fazenda passou pelo ciclo da cana e café


Hoje, os projetos ambientais primam pela preservação da natureza, sem esquecer da importância histórica da propriedade nas visitas educativas

Fotos: Éder Azevedo

Fazenda ainda preserva sua primeira capelinha

Coleção de pratos enfeita a casa grande

Peças antigas são preservadas

A Fazenda Mandaguahy passou pelos ciclos da cana e café e hoje possui pequenas plantações das duas culturas em conjunto com a criação de gado. Durante as visitações, todos os ciclos são explicados possibilitando que as pessoas tenham  uma noção do que a propriedade foi naquela época e o que ela representou para o Estado e o País. Mais recentemente, projetos ambientais passaram a fazer parte da visita a fim de conscientizar a população sobre a importância da preservação do meio ambiente. 


O primeiro ciclo econômico vivenciado pela Fazenda Mandaguahy foi o açucareiro, era uma expansão natural do quadrilátero do açúcar formado pelos municípios de Itu, Sorocaba, Campinas e Piracicaba, uma vez que os desbravadores e primeiros habitantes da região de Jaú eram originários desta parte do Estado.


A fazenda manteve plantações de cana e café concomitantes até a aproximação da ferrovia nas últimas décadas do século XIX. Após a chegada dos trilhos as plantações de café tomaram todos os espaços disponíveis para plantio.


Nessa época, resgatando a tradição dos produtos feitos de cana-de-açúcar, instalou-se um pequeno alambique, onde a cachaça é feita de forma artesanal. A visita ao alambique aborda fatos históricos e uma breve explanação sobre o processo químico sofrido pelo caldo de cana até ser transformado em cachaça. No período de 1858 a 1904, foi construída a maioria das edificações preservadas na fazenda.


O projeto de educação ambiental visa despertar a consciência do cidadão para modos de vida mais saudáveis e preservação do meio ambiente. O enfoque é dado na adequação e uso racional da água e do solo, na produção sustentável de alimentos e reciclagem de materiais. O programa inclui passeios pelo jardim com plantas nacionais e exóticas, plantações orgânicas, mata ciliar e, se requisitada, uma oficina de brinquedos de jornal e garrafa PET. Ele contempla as disciplinas de ciências sociais, história, geografia, biologia e arte.


O projeto de educação patrimonial tem como objetivo a observação, registro, exploração e apropriação do patrimônio construído pelo homem e seu entorno no meio natural. “A preservação do meio natural está relacionada diretamente com a cultura da população. Compreender o modo de vida de nossos antepassados propicia um melhor entendimento de quem somos. As reflexões são feitas através de atividades lúdicas, como exploração arqueológica nas ruínas da antiga colônia de imigrantes e na descoberta de costumes dos moradores da casa grande”, explica Guilherme Valente.


O projeto ciclo das águas propõe conscientizar os visitantes da importância do uso racional deste recurso, mostrando desde áreas destinadas à preservação permanente, onde olhos d’água brotam do solo, captação e tratamento para uso doméstico. O projeto tem parceria com a empresa Águas de Mandaguahy, responsável pela segunda estação de tratamento de água de Jaú (o programa dependente da disponibilidade da agenda da Águas de Mandaguahy). O projeto contempla as disciplinas de ciências e biologia. 


Educação e recreação


A prática de atividades físicas para a integração entre os alunos, priorizar o respeito às regras, solidariedade, a cooperação quando os participantes jogam um com os outros e não contra os outros, fazem parte dos programas recreativos.


A noite do pijama tem como objetivo a interação entre os alunos com atividades lúdicas pedagógicas. O projeto visa criar e promover a convivência entre os estudantes dentro de atividades que estimulam a cooperação e o exercício da cidadania. O programa dura cerca de 24 horas e é assistido por monitores especializados. Preço sob consulta. Brincando e encantando no fim de semana tem por objetivo promover a convivência entre os alunos, estimulando a cooperação através de atividades lúdico-pedagógicas.


O programa tem duração de três dias (sexta, sábado e domingo), incluindo as refeições (café, almoço, lanche e jantar) e é coordenado por monitores especializados em atividades educativas e brincadeiras que desenvolvam o sentido de cooperação em grupo. Número mínimo de participantes é de 10 pessoas e máximo de 20 pessoas. Preço sob consulta.

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