Fotos: Malavolta Jr. |
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Enrevista com a professora de química Joana Darc Felix de Sousa |
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Enrevista com a professora de química Joana Darc Felix de Sousa |
Em um curtume em Franca no ano de 1963, nascia Joana D'Arc Félix de Sousa, a "Joana D'Arc brasileira". Assim como a personagem heroína francesa, a nascida em território verde e amarelo também é guerreira: negra de família pobre, Joana D'Arc Sousa superou a fome, o preconceito e a falta de estrutura para se tornar química PhD na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos.
Nessa quarta-feira (23), ela esteve em Bauru como convidada para o 1.º Encontro de Empreendedorismo e Inovação (EI!) da Unesp, evento que tem seu último dia hoje. Em palestra para dezenas de pessoas, Joana contou sua trajetória e incentivou pesquisadores a atuarem em centros de educação fora dos limites da universidade.
"Nunca pensei que, depois de Harvard, voltaria para o Brasil, mas foi a melhor escolha que já fiz. Realizo projetos aqui como se estivesse nos Estados Unidos, mas os objetivos fazem parte de uma batalha maior: tirar jovens da vulnerabilidade e dar oportunidade de bons estudos", cita Joana, atualmente docente e pesquisadora na Escola Técnica Estadual (Etec) Prof. Carmelino Corrêa Júnior, em Franca.
CARREIRA E PROJETOS
Hoje, aos 54 anos e com um total de 56 prêmios em sua carreira, com destaque para o Kurt Politzer de Tecnologia de "Pesquisadora do Ano" em 2014, da Associação Brasileira da Indústria Química (Abquim), Joana D''Arc é sumidade na área e possui mais de 15 patentes internacionais, todas conquistadas junto aos alunos da Etec.
E os trabalhos envolvem o reaproveitamento e aplicação de couro e pele suínos gerados pelos curtumes. Entre os projetos patenteados, estão o da pele humana artificial de baixo custo (R$ 85,00), o do cimento ósseo - capaz de ajudar no tratamento de fraturas - e os calçados antimicrobianos, que ajudam a curar frieira e rachaduras.
"Cada calçado custa R$ 40,00, mas as indústrias querem vender por R$ 400, por isso as negociações pararam. Quero que quem mais precise tenha acesso", fecha questão.
'BEABÁ' PELOS JORNAIS
Filha de doméstica e de um profissional de curtume, Joana D'Arc foi alfabetizada pela própria mãe aos 4 anos. "Ela me levava nas faxinas, mas, como eu não parava quieta, me ensinou a ler jornais. Eu pintava as palavras e fui aprendendo a leitura ali. Até que a patroa da casa, que era diretora do Sesi, viu e me levou para a escola, foi aí que eu aprendi o A-E-I-O-U".
Aos 14 anos, ela já prestava seus primeiros vestibulares para a Faculdade de Química. "Eu era encantada pelo jaleco branco do químico que trabalhava no curtume e queria usar também. Mas todos caçoavam, diziam para minha família que eu, sendo negra e pobre, nunca seria alguém na vida. Mas meu pai me incentivava ainda mais. E eu bolei um plano de estudo de 9 horas por dia", cita Joana.
Aprovada em várias universidades, ela escolheu a Unicamp. Morou em um pensionato e dormiu noites com fome por falta de dinheiro, mas desistir não era opção.
"Eu pedia o pão que sobrava do bandejão da faculdade para ter o que comer nos finais de semana. Fui saber o que era arroz inteiro só quando recebi minha primeira bolsa de mestrado", pontua a pesquisadora.
"Todos caçoavam, diziam para minha família que eu, sendo negra e pobre, nunca seria alguém na vida. Mas meu pai me incentivava ainda mais. E eu bolei um plano de estudo de 9 horas por dia", relata Joana D'Arc Félix de Sousa |
PRECONCEITO
Ela também acabou engatando o doutorado na graduação. E foi nesta época que a oportunidade de estudar na Carolina do Sul, nos EUA, surgiu.
"Mas foi o pior ano da minha vida. Até xerox eu tinha que pedir para colegas europeus tirarem, porque não me atendiam por racismo", lamenta.
Neste período, contudo, ela conseguiu publicações de artigos em várias revistas americanas, que lhe renderam convite para estudar em Harvard.
'ACREDITAR MAIS'
A morte repentina do pai e de uma irmã e o adoecimento da mãe no final da década de 90, no entanto, a trouxeram de volta ao Brasil.
Por aqui, ela resolveu atuar por sua comunidade e virou docente da Etec. "Tivemos um grupo de jovens que até abandonou as drogas e a prostituição para estudar. Hoje, todos eles são formados na área da química. E a Etec virou referência", pontua. "Isso tudo me faz pensar que o Brasil tem futuro, só precisamos acreditar mais e dar oportunidade para as minorias", finaliza.