Alberto Consolaro

Calos na mão deste professor

19/12/2020 | Tempo de leitura: 3 min

Este ano vi e senti a graça da vida, o vigor da lógica e a profundidade do que significa amar o outro! Nem eu sabia que amava tanto o outro, pois o faço interagindo com as pessoas para lhe dar meus pensamentos, experiências e conhecimentos advindos das reflexões! Admiro o “Homo sapiens”, a única espécie que reflete e, afinal, quis ser um deles. Desde cedo aprendi que a informação é fria, o que transforma é a reflexão esquentando nossa mente com infinitas possibilidades!

MEU PAI

Nem sei como um sábio não escolarizado que foi meu pai, teve contato com aquele livro que lia a cada linha e durante anos e anos. Depois de décadas, procurei saber mais daquelas folhas e capítulos que se desmanchavam em cima da mesa. Descobri que o velho livro sem capa perdida pelo uso, amarelado e amassado, estava além de sua centésima edição e ainda à venda em todas as livrarias do mundo. Era sobre a força ou poder do pensamento positivo e acabei descobrindo um dos segredos paternos. Ele via o que estava a sua frente, não olhava para trás, tal como faz todo otimista incorrigível.

Meu pai mostrava os calos nas mãos pelos anos de atrito com a enxada do lavrador e com as ferramentas do carpinteiro, e o fazia para resignificar e acentuar o esforço físico na formação dos filhos. Em décadas descobri que a coluna vertebral não era a mesma após tantas viagens para cursos, aulas e pesquisas! Carros, ônibus e aviões não perdoam e são cruéis com suas cadeiras! Nem minhas mãos ficaram iguais ao longo dos anos!

OS CALOS

A pandemia que isolou a todos, me fez ficar quieto, ainda que inquieto, no meu reflexivo lar, mas foram minhas mãos que trouxeram diariamente o meu pai neste coração saudoso. Enquanto o resto da palma e dedos das mãos ficavam mais sedosos pelos cremes, na parte interna dos dedos direitos, destacavam-se cada vez mais os calos amarelados e ásperos!

Foram muitas alças de maletas, bolsas, mochilas e malas carregadas até os carros, ônibus e aviões da vida de professor, cientista e jornalista para ensinar e induzir reflexões nos mais longínquos lugares do país e do mundo. E eu que nem percebia! As alças das maletas e mochilas fincaram calosidades nas mãos, iguais as ferramentas fizeram nas de meu pai! Gosto de ouvir Luiz Gonzaga e o filho Gonzaguinha cantando “A vida do viajante”; me sinto atrevidamente o próprio cantor e sinto o que escolhi fazer!

A aspereza, o amarelo ferrugem e a dureza desses calos, me levam as vezes a perguntar se fiz bem e nem chego a titubear para responder que sim! Amo ser professor e escritor, amo repassar o que sei e descobri, é um prazer indescritível! Procuro sempre ser elegante e tratar a todos do mesmo modo, mas de forma diferente já que em cada sorriso se tem uma energia e em cada friso de um corpo humano, se tem uma vida muito particular. Para cada brisa na face, a pele tem um sentir diferente, tal como os olhos e a voz de cada pessoa em mim!

OS VOTOS

A você que já sorriu ao me ver, me cumprimentou e me abraçou, a você que escreveu um “email”, um recadinho no insta, no “direct” ou ainda no “facebook”, te agradeço, pois isto sempre foi a razão de seguir a viajar por este país, tentando singelamente, fazer nossa gente um pouquinho melhor. Em cada linha dos mais de 1500 artigos e 14 livros escritos tem uma pitadinha de minha energia vital embutida, permeada e doada com a pureza de um amor inexplicável.

Mesmo que tenha sido difícil, neste ano aprendemos muito, principalmente que não podemos ter tudo que queremos, que precisamos ser humildes frente às forças que regem nosso destino até a chegada no ponto final. Se trocamos algumas gotas de pedância por alguns perdigotos de humildade, já valeu a pena viver em 2020. Meus votos de feliz natal!

Alberto Consolaro – Professor Titular da USP e Colunista de Ciências do JC

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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