Alberto Consolaro

Esquartejamentos e uma carta a meu pai

18/06/2022 | Tempo de leitura: 3 min

                     Escrevendo o artigo e escutando  ‘Disco Voador’, com Rolando Boldrin

Você contava que nos sertões havia humanos escravizados, índios e negros com cabeças cortadas e mulheres seviciadas. Os capangas assassinos, ditos “administradores de terras”, faziam isso com gosto e a serviço do “doutor” que chegava todo mês de avião para pegar dinheiro e outras “coisas”.

Muito pequeno, eu não entendia direito porque você não ia para estas terras sertanejas fazer seu trabalho de carpintaria e cercas, onde ganharia mais dinheiro para vivermos um pouco melhor. Era Mato Grosso, Goiás e Rondônia. Você dizia que poderia ir, mas não sabia se iria voltar, afinal lá na boca do sertão, a lei era do bandido! Ainda bem que você nunca foi, apesar dos patrões serem os mesmos daqui, só que lá se faziam tudo de mal e davam vazão aos ímpetos da diabólica parte maligna da mente humana.

Hoje, quando viajo pelas cidades e campos formados, sem as florestas de outrora, não consigo esquecer o que você, de forma tão simples, me passou. Quanto de sangues e lágrimas de índios, negros e outros pobres humanos, se derramou para ter cidades e fazendas: quantas atrocidades!

Querido pai, eu lhe agradeço muito pela criação, mas especialmente por não ter nos levados na época, para estes lugares onde todas as desumanidades foram praticadas para garimpar, tirar madeira, escravizar humanos e derrubar florestas acabando com rios, cavernas e cachoeiras. Os antigos ou bisavós, trisavós e tataravós, diziam, com o apoio de religiosos, que índios e negros não tinham alma, como se diz hoje dos animais.

“ATRO-CIDADES”

As cidades têm saneamento, saúde e educação, mas não na periferia que vive sem nada do que a urbanidade poderia lhe oferecer. Quase nada se permite aos pobres e depois reclamamos das tragédias.

A vida dos ribeirinhos nas vilas e lugarejos na Amazônia deve ser muito difícil. Mas não pela aspereza do ambiente e nem pela falta de urbanidade e seus eletrodomésticos. Difícil sim, pela falta de aparato social da justiça, serviços de saúde e educação, tudo permeado pelo banditismo do garimpo ilegal, pesca predatória, tráfico de drogas e condições sub-humanas de trabalho. Matar uma pessoa e esquartejá-la, para que animais comam ou a terra a consuma mais rapidamente, deve ser banal pela falta da civilidade.

E de pensar que por aqui, já foi assim! Nesta hora minha cabeça é invadida pela música “Disco Voador” cantada por Rolando Boldrin na TV Cultura (YouTube) e cuja letra é:

"Tomara que seja verdade // Que exista mesmo disco voador // Que seja um povo inteligente // Para trazer pra gente a paz e o amor! // Se for pro bem da humanidade // Que felicidade essa intervenção! // Aqui na terra só se pensa em guerra // Matar o vizinho é nossa intenção! // Se Deus, que é Todo Poderoso // Fez este colosso (planeta) suspenso no ar // Por que não pode ter criado // Um mundo apartado da terra e do mar? // Tem gente que não acredita // Acha que são mentiras os mistérios profundos // Quem tem um filho, pode ter mais filhos // O Senhor também pode ter outros mundos! // Os homens do nosso planeta // Dão a impressão que já não têm mais crença // Em vez de fabricar remédio // Pra curar o tédio e outras doenças // Inventam armas de hidrogênio // Usam o seu gênio fabricando bomba // Mas não se esqueçam que, por mais que cresçam // Perante Deus qualquer gigante tomba! // O nosso mundo é um espelho // Que reflete sempre a realidade // Quem forma vinha, colhe uva // E quem planta chuva, colhe tempestade // No tempo que Jesus vivia // Ele disse um dia e não foi a esmo // Que, neste mundo em que a maldade infesta // Tudo que não presta morre por si mesmo!

(Alberto Consolaro é professor titular da USP em Bauru e colunista de Ciências do JC - A música ‘Disco Voador’ é cantada por Rolando Boldrin na TV Cultura - reprodução do YouTube)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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