Em trabalho com mais de mil línguas, uma minoria abria a boca com naturalidade, outra parte deixava analisar a língua um pouco constrangida, mas alguns preferiram não participar da pesquisa. Justificavam que mostrar a língua revela uma intimidade muito grande, enquanto outros diziam que não sabiam se a boca estava limpa.
Depois dessa experiência, passei a ser mais cerimonioso para pedir às pessoas abrir a boca e examiná-la, incluindo a língua. Faço isto em locais mais reservados, respeitando este momento diferente. Mas, devemos conscientizar as pessoas a examinarem periodicamente a língua. Ensinar que se deve conhecer a língua em todas as partes e detalhes, pois é o local mais frequente de câncer bucal, é o campeão nas estatísticas.
O que é língua?
1. Da ponta e para baixo, ela desce com um freio e se confunde com o assoalho da boca, onde se produz grande parte da saliva que escorrega e engolimos pelas suas laterais. Pode se estender o limite entre o assoalho bucal e a gengiva, como se fosse o limite da parte de baixo ou ventre da língua. Esta região requer muito cuidado pois é sede comum de manchas brancas e feridas que podem ser lesões de câncer tipo carcinoma espinocelular. Estas lesões são indolores e nem se percebe.
2. Agora a língua por cima, em um drone viajando pelo céu da boca. O dorso da língua está repleto de papilas pontiagudas chamadas filiformes como uma plantação de pinheiros. No meio desses pinheiros, temos morros em menor número e mais baixos chamadas de papilas fungiformes, pois parecem cogumelos. Cheias de botões gustativos nos dão o sabor. O dorso áspero retem impurezas, ou saburra, e pode contribuir com o mau hálito, mas muito raramente dará origem a um câncer.
3. No final do dorso, no drone veremos 7 a 12 papilas grandes como se fosse domos de igrejas clássicas que se dispões estrategicamente na forma de um “V”. Ricas em botões gustativos se chamam de circunvaladas pelo sulco ao redor. Este “V” limita os 2/3 anteriores da língua, que é o que vemos no espelho.
4. Outra parte com elevada frequência de câncer é a margem da língua, que alguns chamam de borda ou bordo. É a parte que fica mais em contato com os dentes e de vez em quando, se dá aquela mordida dolorida, mas sem problema, pois repara logo e isto não provoca câncer. Esta margem vai até encontrar-se com a garganta e qualquer ferida, mancha branca e vermelha na margem deve ser examinada e, quase sempre, biopsiada pois a prevalência de câncer no local é grande, e são lesões indolores.
5. Na parte posterior da margem lingual, se têm 4 a 11 dobraduras que são as papilas foliáceas de formato discreto e róseo, ricas em botões gustativos. Em algumas pessoas são maiores com nodulações, pois tem tecido linfoide, o mesmo das tonsilas ou amigdalas. Atrás do “V” lingual, a superfície é lisa e ondulada recobrindo o tecido linfoide que é a tonsila lingual, que em algumas pessoas, se “derrama” e “invade” as papilas foliáceas ali vizinhas, aumentando seu tamanho e levando o nome Tonsila Lingual Acessória ou Lateral.
REFLEXÃO FINAL
Quando examinar a boca, tem que relaxar os músculos e tracionar a língua para fora com uma gaze, e examinar todas as partes. Não se pode ter úlceras, placas brancas, vermelhas e sangramentos, pois o câncer se inicia assim!
A causa mais comum de câncer de orofaringe e, por extensão do câncer bucal, é o papilomavírus (HPV). Quando se quer este vírus para estudos e exames, se coleta nas tonsilas palatinas. Alguns até teorizam que seriam ali a porta de entrada irregular e de difícil limpeza, que o vírus iniciaria ali seus efeitos celulares. As tonsilas são cheias de criptas e sulcos, mas se ignora a mesma possibilidade nas tonsilas linguais acessórias.
A tonsila lingual acessória quando inflama aumenta o volume e fica vermelha, dolorosa, e até recebe o nome de papilite foliada. Se a pessoa vê esta alteração, fica preocupada com o câncer. Na dúvida procure um cirurgião dentista que vai checar e, se ficar em dúvida também, pode pedir uma biópsia para que ao microscópio, o patologista analise se existe ou não alguma atipia.
(Alberto Consolaro – Professor Titular da USP e Colunista de Ciências do JC)
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