COLUNISTA

A língua que fala e os despapilamentos 

Por Alberto Consolaro |
| Tempo de leitura: 3 min
Professor titular da USP e colunista de Ciências do JC
Língua normal (1) e com despapilamento parcial (3) e total (2 e 4), com o aspecto de “careca”. Em 5, nota-se as papilas filiformes ao microscópio
Língua normal (1) e com despapilamento parcial (3) e total (2 e 4), com o aspecto de “careca”. Em 5, nota-se as papilas filiformes ao microscópio

A parte de cima ou dorso da língua tem a cor rosa claro uniforme pela queratina das papilas linguais. As mais numerosas são as papilas filiformes, quase tem a forma de fio de cabelo, e são 500 por cm². Quando ficam mais compridas, a “língua pilosa” indica falta de higiene ou de atrição com os alimentos.

No meio das papilas filiformes, têm se as papilas fungiformes como “bolinhas” semelhantes a cogumelos. Com muitos botões gustativos elas nos dão o sabor. Nas margens posteriores da língua existem papilas foleadas e delicadas como pequenas folhas dobradas. Quase debaixo da úvula temos o “V” lingual, um conjunto de até 8 a 10 papilas maiores circunvaladas por um sulco.

Uma superfície lingual branca ou amarela, especialmente na parte central posterior, indica falta de higienização ou alimentação com produtos pastosos sem atrição, o que deixa resíduos e corantes. Esta camada de resíduos e microrganismos se chama saburra e a “língua saburrosa”.

Língua "careca"

Se o dorso da língua ficar mais para o vermelho do que rosa e se apresenta lisa, sem “pelos”, ou melhor, sem papilas filiformes, se diz que está “careca” e brilhante. Os limites destes despapilamentos são difusos, não nítidos, sem linhas demarcatórias. A língua assim, não dói, no máximo tem discreto ardor. Só se descobre no espelho ou quando vai ao médico ou dentista.

Língua “careca” ocorre pela carência nutricional de vitaminas do grupo B e ou de ferro, por dietas inadequadas ou quando fazem cirurgias que dificultam a alimentação. Depois da medula óssea, que produz as células sanguíneas, o tecido que mais prolifera em velocidade e quantidade, é a mucosa lingual. Os tecidos que proliferam muito rapidamente, requerem mais nutrientes para suas células entrarem em mitose, precisam de coenzimas, como as vitaminas.

Se faltar vitaminas do grupo B e ferro, as pessoas ficam anêmicas, ou seja, com o número de hemácias reduzido no sangue ou com hemácias hipofuncionais. As anemias carenciais são chamadas de perniciosas por falta de vitamina B e, ferroprivas ou, por falta de ferro.

Na língua, os efeitos carenciais deixam-na lisa e “careca”, pois a mucosa não está proliferando a ponto de formar um número normal de papilas filiformes. As papilas fungiformes, persistem e não desaparecem, ou seja, o gosto/sabor não é afetado.

Outras manifestações

Quando os cantos da boca ou ângulos se ferem ou “racham”, popularmente se diz “boqueira”, mas se chama queilite angular. Ela pode acontecer também na falta de vitamina B ou ferro. A mucosa fica fina e esta dobra úmida, pode favorecer o crescimento de fungos e bactérias oportunistas. Forma-se um quadro clínico envolvendo a língua e os ângulos da boca.

Quando o paciente chega ao consultório de um experiente e sábio clínico, ele examina a cor interna das pálpebras, observa o dorso da língua e os cantos da boca. Depois ele pede um hemograma completo para confirmar o diagnóstico, mas na hora lembra do seu querido professor que dizia: “A língua é o espelho da saúde”. Quando este exame era pouco acessível aos pacientes, nem o hemograma se pedia, mas as orientações e tratamentos eram precisos.

A língua despapilada difusa e a anemia carencial por falta de ferro, podem se associar com dificuldade na deglutição, quando a mucosa bucal, faríngea e esofágica estiverem atróficas também, com hipercloridria no estômago, pele e mucosas secas, além de unhas finas e planas. Esse quadro é conhecido como Síndrome de Plummer-Vinson e ocorre mais em mulheres mais velhas.

Despapilamentos com limites definidos com uma linha demarcatória nítida, têm significados diferentes dos difusos enfocados. Eles ocorrem na língua geográfica e nas lesões liquenoides, duas doenças clinicas com significado diferentes dos despapilamentos difusos, com outras causas e evoluções para serem abordados.

Reflexão Final

É literal: a língua fala! Os despapilamentos, difusos ou não, podem ser sinais quanto a alimentação, estresse psicossomático, doença autoimune, envelhecimento etc. Quanto mais cedo aprendermos a “língua-gem” do corpo, menos sofrimento teremos! Se precisar, procure um profissional para traduzir as mensagens que sua língua está passando para você. Despapilar pode ser uma forma de lamento!

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