Negros recebem menos do que brancos em cargos de diretoria de empresas abertas
A desigualdade racial no país, com uma baixa representatividade da população negra em diversas esferas da sociedade brasileira, se reflete também na Bolsa de Valores.
Um estudo conduzido pelo Núcleo de Estudos Raciais do Insper mostrou que, em especial nos cargos de alto escalão, o percentual de negros nas empresas listadas na Bolsa brasileira ainda é bastante baixo --considerada a composição das diretorias das empresas que fazem parte do Ibovespa, somente cerca de 9,5% é formada por negros, subindo para 23,5% quando se tratam dos cargos de gerência.
Já ao considerar os demais cargos dentro das empresas, o percentual de negros sobe para 41,3%.
Para a elaboração do estudo, foram considerados os dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) entre 2008 e 2017.
Pesquisador do Insper corresponsável pelo levantamento, Michael França afirma que é possível notar um pequeno avanço na ocupação de cargos de liderança pela população negra no período, mas ainda de maneira bastante lenta. Em 2008, as pessoas negras ocupavam cerca de 4% dos cargos de diretoria nas empresas e de 16% quando se trata da gerência.
O levantamento do Insper aponta também que os negros recebem salários menores que os brancos dentro de um mesmo grupo de ocupação. Nas diretorias das empresas listadas, pessoas negras recebem, em média, 75,5% do salário de uma pessoa branca.
Esse percentual é de 68,2% nos cargos de gerência, e de 57,3% para as demais funções das companhias com ações negociadas na Bolsa brasileira.
França afirma que a análise retroativa dos dados desde 2008 indica que não houve nenhuma melhora significativa na desigualdade em termos de remuneração da população negra em relação aos brancos entre as empresas da Bolsa.
"Vemos um processo de inclusão lento ao longo do tempo nas diretorias e nas gerências, mas não percebemos uma tendência de melhorias na remuneração."
O estudo indica ainda que as mulheres negras são as que ocupam o menor espaço dentro das empresas listadas na Bolsa, com apenas 16,5% do total. Na sequência vêm as mulheres brancas, com 22,9%, seguidas de perto pelos homens negros (23,7%). Já os homens brancos são 30,1% do total.
"Têm empresas que só fazem contratações de minorias de trainees ou estagiários, só para falar que estão fazendo alguma ação nesse sentido para melhorar sua imagem, mas que, quando analisamos mais a fundo, não têm nenhuma política ativa de tentar melhorar a diversidade em postos de maior nível hierárquico", afirma França.
O pesquisador assinala que o resultado do estudo pode ser atribuído em parte à prática conhecida como discriminação indireta, quando não há um preconceito consciente por parte da empresa ou do recrutador, mas sim a indicação, por homens brancos de alta renda, de candidatos de perfil semelhante ao seu, dado que são as pessoas no seu círculo de convívio.
"Vivemos em uma sociedade muito segregada. O mecanismo da discriminação indireta ajuda a gerar uma baixa diversidade em algumas ocupações que têm maior nível de qualificação e pagam mais."
Diretora de emissores da B3, Flavia Mouta afirma que é preciso reconhecer que hoje a alta liderança das empresas de um modo geral não reflete a representatividade que existe na sociedade brasileira.
"Temos um legado de desigualdade que é preciso ser endereçado e não apenas com discurso. As pessoas de grupos minorizados trazem diversidade de opiniões e isso agrega valor dentro das empresas", afirma a diretora da B3.
Entre as ações adotadas pela empresa responsável pela Bolsa brasileira, Flavia cita proposta apresentada pela B3 em agosto para a adoção pelas companhias listadas de um mecanismo conhecido como "pratique ou explique".
A intenção do projeto é que as empresas com ações negociadas na Bolsa tenham ao menos uma mulher e um integrante de comunidades minorizadas (pessoas pretas ou pardas, integrantes da comunidade LGBTQIA+ ou pessoas com deficiência) em seu conselho de administração ou diretoria estatutária em até dois anos a partir da vigência da norma. A previsão é que ela entre em vigor no início de 2023.
Caso a empresa não avance nesse sentido no prazo estipulado, ela terá de indicar ao mercado e aos investidores em geral os motivos que inviabilizaram os avanços.
Um levantamento da B3 aponta que, das cerca de 420 empresas listadas na Bolsa brasileira em 2022, aproximadamente 60% não têm nenhuma mulher entre seus diretores estatutários e 37% não possuem participação feminina no conselho de administração.
"Estamos falando de aumentar o valor dessas empresas por meio da diversidade de opiniões e também para servir como um espelho para quem está na base conseguir se enxergar na alta liderança", afirma a diretora da B3.
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