Minha geração, desde os primeiros anos escolares, foi seduzida pelos mistérios e segredos da Amazônia. E por sua inenarrável e quase assustadora monumentalidade. Livros, contos, fábulas descreviam maravilhas e horrores daquele que era considerado o “Inferno Verde”. Mitos do Curupira, do Boto Rosa, da Iara, do Uirapuru povoavam a imaginação do então “quase civilizado” Sudeste brasileiro.
Professores – pelo menos os nossos, salesianos – insistiam para aprendermos os nomes dos grandes rios e seus afluentes. E aumentavam-nos a curiosidade e o desejo de conhecê-los. O Amazonas, o Negro, o Japurá, o Solimões, o Madeira, o Tapajós... Criávamos fantasias, ao mesmo tempo apaixonados pela grandeza do Ciclo da Borracha e amargurados pelo triste desfecho de um dos mais notáveis momentos da história brasileira. Belém e Manaus estavam entre as principais cidades brasileira em desenvolvimento, modernismo, inovação. A floresta era a Hileia Amazônica, assim batizada pelo naturalista alemão Alexander Humboldt.
Acontecera a “Belle Époque” amazônica. Manaus – a história ainda registra – era conhecida como a Paris dos Trópicos. E a arquitetura das duas capitais ainda revela o esplendor vivido por Belém e Manaus. Seus teatros e mercados são revelações ainda vivas e notáveis de uma época de ouro do Norte brasileiro. Mas... O Brasil ainda vive de seus “mas” e “se”. Mas ingleses contrabandearam sementes das seringueiras plantando-as em terras de seu reino, em especial na Malásia. Ainda assim, o icônico Henry Ford criou a cidade da borracha na Amazônia, a “Fordlândia”. Tudo fracassou. Ficou-nos a imaginação: e “se” tivesse dado certo?
Agora, com a COP-30, lideranças mundiais começam a ver o que existe à sombra dos milhões de árvores da terra que é o pulmão da humanidade. Não há negar que o governo brasileiro tem atuado com competência e dignidade também em defesa da soberania nacional. Que se reflete, também, quanto à soberania sobre a Amazônia. No entanto, lideranças brasileiras – a população mais consciente – deveriam estar ainda mais atentas para riscos e ameaças ainda nas sombras. Estão em jogo riquezas ainda mais valorizadas e necessárias diante das novas e apaixonantes tecnologias. É o novo ciclo da bem-aventurança amazônica, o dos minérios. E a cobiça internacional já mostra a sua inquietação.
Desde os bancos escolares, pois, minha geração entendeu a Amazônia como fábula, lenda, mistério, bênção especial da natureza. Um outro mundo feito de maravilhas e, também, de horrores. Pois, a história conta-nos dos milhares de brasileiros vitimados pelas tentativas diversas de governo, empresários, instituições nacionais e estrangeiras para conquistar as riquezas das terras amazonenses. Mas elas resistem.
Entre os privilégios que a vida tem proporcionado ao escrevinhador, entre especiais estão, sem dúvida, o de ter pisado no solo amazônico. Por diversas vezes.
Quando da construção da polêmica rodovia Belém-Brasília; na aventura apaixonante dos mistérios de Belém, de Manaus, de Roraima. Nunca soube como expressar-se com palavras. Foi deparar com o horror, com o medo de não mais conseguir sair daquela armadilha da natureza. E, ao mesmo tempo, o deslumbramento, o êxtase, algo além do entendimento racional, a convicção de estar em estreita comunhão com o divino.
Na Amazônia, é possível sentir – sem explicação – porque a imagem do Paraíso são jardins. É um descobrir – com um límpido olhar da alma – o Jardim das Delícias.
O Gênesis está lá, o nascimento do mundo. O Éden reencontrado. Que o homem não venha a violá-lo.
Cecílio Elias Netto é jornalista e escritor.