O fenômeno da falta de recursos pode ser o pretexto para a surdez das autoridades, fruto de um vendaval jurídico.
Piracicaba já ouviu muita coisa bonita: corais, violinos, pianos, assobios de sabiá e até discursos de campanha. Mas agora escuta algo desafinado: o anúncio de um leilão marcado para 13 de novembro de 2025, colocando à venda a sede da Escola de Música. Um ato jurídico de hasta pública. Mas quem conhece o lugar sabe que ali nunca morou a frieza da normalidade. Ali morou a música. E agora, ameaça-se despejá-la, como se fosse moradora sem fiador.
Falta de recursos é a desculpa preferida quando a cultura bate à porta. Autoridades alegam crise, orçamento apertado, surdez momentânea. Curioso: para tudo há ouvido atento, menos para piano e violino. O fenômeno não é novo. A cultura, no Brasil, sempre pegou senha no fim da fila. Quando sobra dinheiro, a prioridade é tapar buraco de rua, nunca o buraco musical da alma.
Mas é impossível falar da Escola de Música de Piracicaba sem falar do casal Mahle, verdadeiros mecenas dos feitos artísticos, plantou ali um jardim onde floresceram jovens músicos. Muitos talentos ali puderam crescer. O imóvel, projetado com cuidado, recebeu estudos de acústica e arquitetura. Foi projetada com amor: Nós que fizemos o melhor para o melhor cliente, a cultura.
Décadas de vida. Décadas de aulas, concertos, aplausos, lágrimas, nervosismo, palmas. Ali se formaram artistas que hoje tocam em palcos do Brasil e do mundo. Pianistas, violinistas, cantores, professores. Os filhos de Piracicaba passaram por lá, aprendendo que a vida não é só boleto e lucro: existe também melodia. Ali havia salas equipadas, instrumentos bem cuidados, professores que ensinavam com competência e coração.
E tem o tesouro das 17.000 partituras. Um acervo inteiro, um universo de notas musicais que poucos tem o privilégio de ter. Cada partitura é uma porta. Cada porta abre música, memória e criação. Quantas apresentações subiram ao palco daquela sala de concertos, iluminando noites da cidade.
Agora querem trocar bilhões de notas musicais por uma nota de dois milhões e setecentos mil reais! É barato demais para o que vale caro demais para ser vendido.
É como comprar um violino Stradivarius para esmagar no chão.
Um despejo não leva só mesas e cadeiras. Leva história, tradição, devoção. Leva o trabalho amoroso de dirigentes, professores e alunos que lutaram para manter viva a chama da arte em uma cidade que tantas vezes prefere o silêncio confortável.
Sim, existe o vendaval jurídico. Mas existe também bom senso. O Executivo, o Legislativo e o Judiciário podem, e devem tocar juntos, em coro, mesmo que seja em
Lá menor, dizendo um sonoro e afinado NÃO!!! ao leilão. Há soluções: renegociação, preservação de patrimônio cultural, parcerias, apoio público e privado. Não se pede lágrimas, só inteligência e responsabilidade.
Quando misturamos palavras com lágrimas, esperamos que o tempo, como uma bigorna batida em ferro frio, ressoe nos ouvidos de quem pode salvar essa história. Que a sonoridade soe também no coração de quem decide. Porque música nunca morre, mas pode ser calada.
E Piracicaba não merece esse silêncio.
Salve a Escola de Música de Piracicaba!
Salve a sua Casa!
Walter Naime é arquiteto-urbanista e empresário.