05 de dezembro de 2025
SAUDADE

30 anos sem Cobrinha: ‘se dedicou à música local, às serestas

Por Erivan Monteiro | erivan.monteiro@jpjornal.com.br
| Tempo de leitura: 4 min
Divulgação
'O Cobrinha tem uma importância muito grande para Piracicaba com um dos defensores da seresta e do folclore cantado em Piracicaba'

No início deste mês – mais precisamente no último dia 3 – completaram-se 30 anos da morte de Victório Ângelo Cobra, o Cobrinha, figura icônica da seresta piracicabana. Mais do que um músico, Cobrinha foi reconhecido como “embaixador de Piracicaba”, levando a alma e a melodia de sua terra a cada verso e dedilhado de violão.

Victório Ângelo Cobra nasceu em 1908 e cresceu em meio à musicalidade familiar — cantava com os irmãos no Grupo Cobra Choro, difundindo as modinhas e serestas que atravessavam gerações. Ao longo de sua vida, tornou-se figura reconhecida nacionalmente.

O seu trabalho é destacado por ter sido um dos primeiros cantores a gravar músicas sertanejas, com ‘Minha Terra’, composta em parceria com Mariano da Silva, e ser reconhecido como a “voz icônica” da música Piracicaba, de Newton de Almeida Melo, que viria se tornar o hino oficial da cidade.

“O Cobrinha tem uma importância muito grande para Piracicaba com um dos defensores da seresta e do folclore cantado em Piracicaba. Nós temos o hino de Piracicaba (“Piracicaba que eu adoro tanto...”) que foi por muito tempo entoado por ele. Foi uma pessoa que se dedicou à música local, às serestas desde a década de 1930 até o ano de sua morte. Ele se dedicou por mais de 40 anos ao cancionismo, uma coisa que está sendo rompida com o passar do tempo em Piracicaba”, disse ao JP o jornalista e pesquisador Edson Rontani Júnior.

Cobrinha personificava a tradição da seresta, arte do encontro entre amigos, violas e poesia. Seu repertório celebrava o amor, a saudade e o cotidiano, e suas apresentações mantinham viva uma estética musical que já se tornava rara nos idos do início da década de 1990.

Trinta anos depois de sua partida, o eco das serenatas de Cobrinha ainda percorre as ruas de Piracicaba. Entre partituras e lembranças, permanece viva a imagem do homem simples, de voz terna e chapéu na cabeça, que transformou noites silenciosas em poesia cantada.

“Ele foi expoente de vários outros cancioneiros de Piracicaba, como Pedro Alexandrinho e tantos outros. Então, o senhor Victorio Ângelo Cobra tem um papel importante na composição da cultura de Piracicaba. Ele sempre se dedicou, muitas vezes de forma gratuita, foi o nosso cancioneiro nos 200 anos Piracicaba, em 1967, então a importância dele é inestimável.”, disse Rontani.

“Infelizmente, está caindo no esquecimento, uma coisa que não poderia acontecer. Até mesmo por que o Hino de Piracicaba vem sendo hoje executado por diversas outras pessoas, e se esquecem que ele foi um dos principais expoentes desse que é o nosso principal hino local de Piracicaba”, emendou o jornalista.

‘ENCANTADO’
Amigo de Cobrinha, o escritor e jornalista Cecílio Elias Netto, também lembrou da importância do cancioneiro. “O Cobrinha está encantado. Assim já o entendera o inimitável Guimarães Rosa. Em nossas noites enluaradas, no silêncio, enquanto a cidade dorme, pode-se ouvir a voz suave de Cobrinha em serestas amorosas. Basta ter ouvidos de ouvir. E coração de sentir”, discursou.

“Piracicaba é ‘cheia de flores, cheia de encanto’. Por isso, foi a cidade das serestas numa época em que o mundo cultivava o belo. Cobrinha era o cultor de nossas belezas, um romântico com alma de passarinho. Ele ainda é a mais doce voz no coro dos anjos. Que encanta a Noiva saudosa de romantismo”, completa o escritor e jornalista.

MERECIDO
De acordo com a Câmara Municipal, a trajetória de Victório Ângelo Cobra, o Cobrinha, inspirou homenagens que se tornaram parte da história da cidade — entre elas, a instalação de uma herma na Praça da Saudade, em frente ao Cemitério da Saudade, por meio do Projeto de Lei nº 224/1998, de autoria do então vereador Moacir Nazareno Monteiro.

A justificativa da proposta resgatava o vínculo afetivo do artista com o bairro onde viveu: “Cobrinha sempre residiu no Bairro Alto, que faz divisa com a referida praça”, diz o texto.

O projeto resultou na Lei nº 4.628, de 6 de abril de 1999, sancionada pelo prefeito Humberto de Campos, que oficializou a herma do seresteiro, inaugurada em 26 de agosto de 1999, em uma solenidade que foi registrada pela Câmara, e essas imagens estão disponíveis no Acervo Histórico da Casa. Desde então, o busto de Cobrinha repousa na Praça da Saudade como um marco à memória de quem fez da voz e do violão instrumentos de afeto e identidade cultural.

Quatro anos antes de sua morte, em 22 de agosto de 1991, Cobrinha foi homenageado na Câmara Municipal, durante a leitura de um voto de congratulações, tramitado na forma do Requerimento nº 420/1991 e apresentado pelo então presidente da Casa, vereador Rogério Vidal, por ocasião dos 83 anos do seresteiro, que seria celebrado três dias depois. A homenagem foi registrada em vídeo pela Casa, no início das produções das atas eletrônicas do Legislativo municipal.

Na oportunidade, o plenário se transformou em palco de seresta. Cobrinha cantou “Minha Terra” e “Chuá Chuá”, acompanhado por Jaime Cúrcio (bandolim) e Zé Moreno (violão). Outros nomes da música piracicabana — Toninho Martini, Zezé Adamoli, Pedro Alexandrino, Florivaldo de Almeida Leme (Chicoca) e Antônio Carlos Fioravante (Bolão) — uniram-se à homenagem, encerrada com o Hino de Piracicaba entoado pelo próprio Cobrinha.