05 de dezembro de 2025
ARTIGO

Coçar e comer é só começar!!!

Por Walter Naime |
| Tempo de leitura: 3 min

O povo não mente quando inventa ditado: “coçar e comer, é só começar”. Basta uma comichão no braço e a unha corre mais rápido que político em época de eleição. E se aparece um prato fumegante de arroz com feijão, a fome não espera sermão nem discurso: o garfo entra em campo antes do pensamento. São dois instintos que não pedem licença, um é questão de sobrevivência, o outro, de alívio imediato.

A diferença entre comer e coçar é grande. Comer enche a barriga, dá força e até melhora o humor. Já a coceira, coitada, só traz desespero. O curioso é que as duas obrigam o sujeito a um gesto automático: ninguém fica filosofando diante de uma coxinha crocante nem diante de uma picada de mosquito. Vai lá e resolve, mesmo que resolva mal.

Agora, quando se fala em coceira, não tem como escapar da famosa sarna. Esse bicho invisível já vem escrevendo história junto com o ser humano. A dúvida é séria: quem nasceu primeiro, o homem ou a sarna? Tem quem diga que vieram de mãos dadas, ou melhor, de unhas afiadas. Afinal, pele sem sarna não rende assunto, e sarna sem pele não tem onde morar.

E não é que o povo ainda inventou a expressão “procurar sarna para se coçar”? Isso porque o ser humano parece ter talento especial para arrumar confusão. Se não está no amor, está no negócio; se não é no negócio, é na fofoca; se não é na fofoca, é na política. O sujeito não precisa de sarna, mas gosta de uma desgraça para temperar a vida.

As sarnas, no entanto, não são todas iguais. Há as que se oferecem, tipo conta atrasada ou pneu furado. E há as que a gente vai atrás, feito namoro encrencado ou sociedade com amigo gastador. E, veja bem, são justamente essas procuradas que mais ardem. Porque além da coceira, vêm com aquele recadinho na testa: “foi você quem quis”.

E se formos classificar os tipos de sarna, a lista não acaba nunca. Tem a sarna burocrática, pilha de papel esperando assinatura; a sarna tecnológica, senha que você esqueceu ontem e já vai ter de trocar hoje; a sarna amorosa, beijo doce no começo, coceira amarga no final; e a sarna política, essa que promete alívio, mas só aumenta a coceira coletiva. Cada uma exige unhas fortes, paciência curta e, de preferência, um bom creme calmante.

Mas repare: toda sarna é também um teste de escolha. Está no negócio mal feito, no amor mal resolvido, na compra por impulso, no estudo mal começado, na guerra inventada, na vida mal planejada. E aí surge a grande questão: entre tantas sarnas, quais preferir? Ora, já que ninguém escapa, que sejam as que ensinam alguma coisa. A sarna gratuita, que não dá lição nenhuma, é puro castigo.

E se for para insistir, que seja na sarna escolhida. Porque ao menos, nesse caso, a bronca é toda nossa. O problema da sarna imposta é que, além de coçar, traz ressentimento. Já a escolhida, a gente encara com mais paciência, mesmo resmungando.

Moral da história: sarna vai ter sempre, do nascimento ao velório. Melhor, então, optar pela que a gente aceita, que incomoda menos. Afinal, coceira própria é mais suportável do que alergia emprestada.

E nunca esqueça da sabedoria popular: coçar e comer, é só começar. Só não abuse, senão depois do coçar vem a ferida, e depois do comer vem a indigestão. E o sujeito acaba com duas sarnas: uma no corpo e outra na consciência.

Walter Naime é arquiteto-urbanista e empresário.