05 de dezembro de 2025
ARTIGO

Lições de quem viveu 117 anos

Por Rogério Cardoso |
| Tempo de leitura: 3 min

Tenho repetido nas minhas colunas: passar dos 100 anos já é uma realidade. Digo isso às minhas alunas e aos meus alunos que cuidam da saúde e treinam religiosamente. Gosto de pensar que envelhecer é uma arte silenciosa, feita de escolhas miúdas que se repetem até virarem destino.

Talvez você ainda não conheça a história de Maria Branyas Morera, que se despediu aos 117 anos com lucidez e serenidade e um desses raros espelhos onde ciência e o desejo se encontram.

Um estudo recente, “The multiomics blueprint of the individual with the most extreme lifespan” que saiu no periódico Cell Reports Medicine, analisou seus genes, sua imunidade, seu microbioma e seus hábitos, confirmando algo que vejo no dia a dia: há quem nasça com cartas favoráveis, as tais variantes genéticas que protegem a reparação do DNA, domam a inflamação e mantêm as mitocôndrias enérgicas, mas o baralho não joga sozinho. Longevidade não é só herança; é herança regida por rotina e escolhas.

Em Dona Maria, o sistema imune permaneceu afinado, com células T de memória ativas o bastante para lembrar infecções, inclusive a covid, sem cair na armadilha da autoagressão. No intestino, uma flora diversa produzia moléculas anti-inflamatórias que conversavam com essa imunidade eficiente, como se corpo e microbiota tocassem a mesma música, no volume certo. Ainda assim, ela trazia as marcas do tempo: dores articulares, sinais sanguíneos que poderiam prenunciar doenças. O notável é que não viraram doença. Seu “relógio biológico” soava décadas mais jovem do que o calendário. A ciência chama de dissociação entre envelhecer e adoecer; eu chamo de margem de manobra, que é o intervalo onde cabem as nossas escolhas.

E quais foram as dela? Nada espetacular. Três iogurtes por dia nos últimos anos, um padrão mediterrâneo leve, com muito azeite, peixe e frutas. Passos sem pressa, jardinagem, sono respeitado, piano e conversa. Não há uma poção de 117 anos numa colher de iogurte, mas há coerência: alimento simples que nutre a microbiota, rotina que estabiliza o metabolismo, movimento que lubrifica articulações e mente, vínculos que protegem contra o isolamento inflamatório e a temida solidão. Quando alinhamos genes e gestos, colesterol e glicemia ficam sob controle e a biologia ganha tempo. Importante lembrar: um caso não faz regra; supercentenários são raros e precisamos de muitos dados para transformar pistas em protocolos. Ainda assim, as chamadas “zonas azuis” já nos oferecem um norte muito parecido com o de Dona Maria. No fundo, ela desenha um mapa emocional e caminho a se seguir: não se trata de vencer a finitude, e sim de empurrar o adoecimento para mais adiante, até que a vida se recolha como quem fecha um livro lido com atenção.

Se você me perguntar por onde começar, eu diria: escolha a suavidade com disciplina. Coma com propósito, mova-se todos os dias um pouco, durma como quem se cuida, cultive amizades e curiosidade, trate seu intestino como um jardim e seu sistema imune como um maestro que precisa de silêncio e partitura. Talvez você não chegue aos 117; talvez nem queira,  conheço muitos que pensam assim. Mas aumentará a chance de viver os anos que tiver com clareza, autonomia e alegria.

Longevidade não é um número; é a qualidade do intervalo entre hoje e o último amanhã. Até a próxima!

Rogério Cardoso é personal trainer e preparador físico, membro da Sociedade Brasileira de Personal Trainer SBPT e da World Top Trainers WTTC.