07 de dezembro de 2025
ARTIGO

Uma tradição errada que precisava ser corrigida

Por Armando Alexandre dos Santos |
| Tempo de leitura: 3 min

Neste ano de 2025 estamos comemorando os 130 anos da chegada, ao Brasil, dos primeiros claretianos, membros da Congregação dos Missionários Filhos do Imaculado Coração de Maria, fundada por Santo Antônio Maria Claret (1807-1870), que viveu numa época conturbada, em que ocorreram na Espanha, seu país natal, guerras sangrentas (tanto externas como civis), várias revoluções, com quedas de governo e grande número de mortos.

Foi uma época extremamente agitada, política, cultural e socialmente falando. Do ponto de vista econômico, foi também uma época de grandes transformações, em que a industrialização nascente produziu um êxodo rural, acorrendo às cidades maiores numerosas famílias camponesas em busca de melhores salários e condições de vida mais favoráveis. Isso ensejou o surgimento de uma espécie de proletariado urbano, em que incontáveis jovens se viam virtualmente abandonados, sem recursos econômicos e sem educação que os aparelhasse e capacitasse para aquela nova realidade à qual seus pais não estavam preparados e, ainda menos, podiam eles próprios estar.

Foi nesse contexto que atuou, com grande empenho e considerável sucesso, o missionário catalão Antônio Maria Claret, nascido próximo a Barcelona, numa família de prósperos fabricantes de tecidos. Iniciou a vida trabalhando na indústria de sua família e somente aos 22 anos de idade decidiu tornar-se religioso. Procurou empenhadamente levar a educação - religiosa, cívica, profissionalizante - a todos os desassistidos, cumprindo, assim, uma eminente função social, muito adequada às necessidades do seu tempo. Dotado de grande capacidade de ação e consideráveis dons de liderança, expandiu suas atividades apostólicas e assistenciais, conseguindo apoios em todas as classes da sociedade e alcançando sucesso em sua obra, a qual se irradiou, logo, para outros países da Europa e, a seguir, para o mundo inteiro. Muito ativo, publicou durante sua vida mais de 150 livros ou opúsculos, sem contar as cartas pastorais editadas durante o período em que esteve em Cuba, como Arcebispo de Havana.

Claret exerceu grande influência na Espanha de seu tempo. Foi nomeado confessor da Rainha Isabel II (1830-1904) e serviu-se dessa função importante e prestigiosa para fazer avançar seu amplo projeto educativo e formador de novos cidadãos, adaptados às necessidades do tempo.

Um episódio mostra como ele entendia a função de confessor da rainha. Cabe aqui relatá-lo porque é de grande importância para compreender sua mentalidade, a qual foi, naturalmente, incutida na obra dos seus seguidores, os claretianos do mundo inteiro.

Quando, recém-nomeado confessor régio, foi pela primeira vez ouvir a confissão da rainha, no Palácio o encaminharam a uma sala, onde havia duas cadeiras, uma grande e solene, de braços e de espaldar alto, e outra simples, modesta e sem braços. Quando a rainha chegou, antes que ela se sentasse e dissesse qualquer coisa, o eclesiástico pediu que fosse trazido um genuflexório, aquele móvel das igrejas apropriado para a pessoa se ajoelhar. A rainha, então, disse que não era preciso genuflexório, porque a tradição, na Corte espanhola, era que a rainha se confessasse sentada no seu trono, e o confessor a ouviria sentado na sua cadeirinha...

Claret então respondeu que, se era uma tradição, era uma tradição errada e precisava ser corrigida, pois a pessoa que se confessa é um pecador, que se ajoelha diante de Deus, representado pelo sacerdote. O sacerdote, portanto, por mais humilde e incapaz que seja, é que deve sentar-se; e quem se confessa, ainda que seja uma rainha, deve, humildemente, se ajoelhar ao lado, pedindo perdão pelos seus pecados. A resposta de Claret causou, como é compreensível, espanto nas pessoas presentes. Mas, para grande surpresa de todos, a rainha docilmente obedeceu e fez sinal para que todos os presentes se retirassem. Em seguida, ajoelhou-se no chão, confessou, ouviu os conselhos do sacerdote, recebeu a absolvição e a penitência. Depois, comentou na Corte que era de confessores assim que os reis e rainhas mais necessitavam.

Armando Alexandre dos Santos é doutor na área de Filosofia e Letras, membro da Academia Piracicabana de Letras e do IHGP.