Brasília é a Dona Flor de concreto armado e cerrado florido. Cidade moderna, mas com coração de novela. E, como na obra de Jorge Amado, não se contenta com um marido só. Precisa de dois: um que garanta o arroz com feijão e outro que faça o coração bater mais rápido.
No começo, Brasília se casou com o Teodoro da política. Homem sério, calculista, planilha na mão e terno engomado. Era do tipo que acredita que o maior gesto de amor é pagar o boleto de luz em dia. Para ele, romance era superávit, jantar era apresentar orçamento, e pedido de casamento vinha com três vias autenticadas.
Brasília ganhou ordem, rotina e contas controladas. Mas paixão? Zero. A cama da União estava arrumada, mas fria como sessão plenária às duas da manhã.
Foi aí que, de repente, surgiu o Vadinho da política. Boêmio, falastrão, cheio de charme, desses que transformam discurso em samba. Chegava no palanque como quem chega num boteco: abraçando todo mundo, prometendo churrasco, cerveja e até feriado prolongado. Brasília se apaixonou na hora. Com ele, a vida parecia festa de São João: muito barulho, fogos, dança e promessa de abundância. Claro, às vezes a panela queimava, a conta não fechava, mas quem liga? Ele sabia como fazer Brasília suspirar.
Eis o dilema: de um lado, Teodoro, o contador responsável, que garante a geladeira cheia. Do outro, Vadinho, o sedutor que dá vida à festa, mas gasta como quem tem cartão sem limite. Brasília, como boa flor, queria os dois: queria a segurança do feijão no prato e a emoção do beijo de promessa.
O fantasma que não larga do pé:
Mesmo depois que Vadinho caiu em desgraça política, não foi embora de verdade. Virou fantasma rondando os corredores do Planalto, assombrando discursos, aparecendo em lembranças e até em comícios alheios. Brasília, na cama com Teodoro, ainda sonhava com os beijos de Vadinho. E o Congresso, essa vizinhança fofoqueira, se dividia: uns juravam que só o contador salva a pátria, outros pediam de volta o boêmio, mesmo que viesse em versão fantasmagórica.
Agora, em plena primavera, Brasília vive seu dilema. Quer flores no jardim, mas não quer perder o adubo. Quer festa, mas também precisa da conta de luz paga. E os congressistas-jardineiros precisam podar exageros, regar esperanças e impedir que o canteiro da política vire ringue de UFC. Se não, a primavera acaba em verão seco rapidinho.
Brasília só vai ser feliz quando aceitar sua sina de Dona Flor: precisa dos dois maridos. O pão de Teodoro e a cachaça de Vadinho. O boleto pago e o samba improvisado. O chão firme e o sonho de voar. Porque viver só de fantasma é saudade, mas viver só de planilha é tristeza.
E nós, o povo, seguimos plateia dessa novela, assistindo Dona Brasília dançar entre o contador e o boêmio. Torcemos para que a flor do cerrado aprenda a equilibrar perfume e espinho. Porque, se depender só de um marido, a primavera não dura três meses. Agora, com os dois fantasmas apaixonados e um contador de impostos a comédia está garantida, e a novela do Brasil nunca sai do ar.
Walter Naime é arquiteto-urbanista e empresário.